Assassinato mostra: Medellin dos anos 1980 é aqui
O que ocorreu na Colômbia e o que existe, hoje, no México são exemplos didáticos de como o tráfico cresce, principalmente, por dentro do Estado.
A execução do delator do PCC Antonio Gritzbach em Garulhos reforça: 1. Estamos perto de virar a Medellin dos anos 1980; 2. não existe crime organizado sem participação de agentes do Estado.
Assassinar alguém no principal aeroporto do país revela força, organização, ousadia e uma certeza quase absoluta de impunidade. Um grau de sofistificação criminosa que mostra o quanto a lógica do bandido bom-bandido morto serve apenas para enganar a população.
É muito fácil despachar dezenas ou centenas de policiais para uma favela, mandar tiros para todos os lados, empilhar cadáveres, dizer que não há mais trégua para a bandidagem, alardear que foram mortos uns tantos supostos chefões do tráfico.
Testemunhamos essas práticas e ouvimos esses discursos há décadas, muita gente foi e será eleita usando variações dessas palavras. Nesse mesmo período, nada melhorou. Organizações criminosas se espalharam pelo país, algumas tornaram-se imensas, têm conexões internacionais.
O que ocorreu na Colômbia e o que existe, hoje, no México são exemplos de como o tráfico cresce, principalmente, por dentro do Estado. Pablo Escobar (1949-1993), o mais célebre dos narcotraficantes, chegou a ocupar uma cadeira no congresso colombiano.
O país chegou a ser alvo de uma, na prática, intervenção norte-americana; foi palco de uma guerra às drogas que falhou, como reconheceu o atual presidente, Gustavo Petro.
A repressão baseada em muita força e pouca inteligência interessa apenas aos que lucram com as indústrias da droga e da guerra. Rendem muitas cenas espetaculares, muito bangue-bangue, geram pouquíssimos resultados práticos e muito lucro para fornecedores de armas, traficantes e seus cúmplices.
Não se pode achar que o grande inimigo é o bandido pé de chinelo que mora em favela. Ele sequer deveria ser chamado de traficante, atua como um (muitas vezes, cruel) camelô de substâncias ilegais.
As constantes e não proibidas ações da PM em favelas cariocas sequer arranham a venda de drogas e a posse de armas nesses locais. Responsáveis por 84 mortes — a última, de um menino de quatro anos — as operações na Baixada Santista (SP) têm resultados semelhantes às que se tornaram rotina no Rio.
Protegidas pela sombra do escudo das grandes incursões policiais, o PCC e o Comando Vermelho prosperam e servem de inspiração para dezenas de falanges menores que atuam em diferentes partes do Brasil.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sabe que o poder político-institucional da organização criminosa criada em consequência do Massacre do Carandiru vai muito além de supostos bilhetes indicando votos nesse ou naquele candidato.
A segurança de Gritzbach era formada por PMs, que atuavam de força ilegal. Em delações premiadas, ele contara de policiais civis parceiros de organizações criminosas. É impossível que o Estado não tenha identificado a maior parte deles.
Ao tratarem a segurança pública com o viés político-partidário, governadores abrem caminho para a corrupção e para a consolidação e expansão de esquemas muitas vezes protegidos por políticos.
O caso Gritzbach ressalta a necessidade de uma política nacional de segurança. Não que a proposta de emenda constitucional feita pelo governo tenha que ser aprovada como está, mas governadores não podem abrir mão de discuti-la — a menos que não tenham interesse em mudar nada.
Não vale também proferir bravatas como a do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que descartou a possibilidade de colocar câmeras em policiais de seu estado. A posição indica apenas temor sobre o que a imagens poderão mostrar.