O vereador eleito do Psol que colocou o ovo em pé
Com a proposta do fim da jornada de 6x1, Azevedo mostrou que é possível superar a armadilha das pautas de costumes abraçadas pela extrema direita, aquelas que parecem indicar que os problemas do país se resumem a supostos banheiros unissex e que tais.
Coube a Rick Azevedo, jovem — completa 31 anos depois de amanhã —, vereador eleito pelo Psol no Rio, colocar de pé o ovo que desafia a esquerda há uns dez anos: formular e alardear uma pauta factível e popular, o fim da jornada de trabalho 6x1.
Negro, ex-balconista de farmácia, três cursos universitários incompletos, Azevedo passou ao largo das dúvidas políticas que transformam teóricos do PT em flanelinhas ("Mais pra esquerda!", "Vira pra direita!", "Joga pro meio!") e lançou algo concreto: é desumano fazer com que trabalhadores mal-remunerados, especialmente no comércio e no setor de serviços, tenham apenas uma folga por semana.
Encarou sozinho, escorado em suas redes sociais, o desafio de lançar o movimento VAT — Vida Além do Trabalho. Antes de tomar posse, jogou uma marmita quente no colo da direita e do governo. Colega de partido, a deputada Érika Hilton (SP) aproveitou a deixa para tentar transformar a ideia em proposta de emenda constitucional.
Ex-sindicalista, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, respondeu à proposta de Azevedo de um jeito risível: disse que é muito boa, mas que deve ser tratada em negociações entre patrões e empregados.
Escreveu isso como se não soubesse que, principalmente depois da reforma trabalhista implantada por Michel Temer, sindicatos de empregados perderam praticamente todo seu poder de fogo. Só faltou anunciar a criação de um grupo de trabalho para discutir o tema — e, assim, esquecê-lo.
A proposta formulada pelo futuro vereador mostra o quanto a esquerda se distanciou de boa parte de boa parte dos trabalhadores. As mudanças no mundo do trabalho pulverizaram o modelo de organização que gerou o PT. A indústria perdeu força na economia, não há mais tantas empresas que reúnam milhares de trabalhadores em seus galpões — berçários de discussões, análises e greves.
Grande parte dos trabalhadores de carteira assinada passa o dia de pé atrás de um balcão, eles têm pouquíssimas chances de progredir em suas empresas; com sorte podem virar gerentes ou supervisores, mas as vagas são poucas; e as exigências, muitas.
Azevedo levou um pouco de vida real para a esquerda e, em particular, para o Psol, que nem de longe tem a base popular que formou o PT. Mostrou que propostas baseadas nas necessidades reais das pessoas têm sim condições de prosperar.
Numa entrevista, falou o que tanta gente se recusa a ver: com salários tão baixos e jornadas tão pesadas, muitos jovens desistem do trabalho formal e tratam de tentar a vida de outras maneiras, são um terreno fértil para a pregação de oportunistas como Pablo Marçal.
Com a proposta do fim da jornada de 6x1, Azevedo mostrou que é possível superar a armadilha das pautas de costumes abraçadas pela extrema direita, aquelas que parecem indicar que os problemas do país se resumem a supostos banheiros unissex e que tais. Ao colocar a bola no chão, o vereador parece zombar dos que estão mais preocupados com a quantidade de testosterona da tal boxeadora argelina do que com a vida das mulheres e homens que ralam muito no país.
Já surgem aqueles que preveem o caos caso a jornada de 6x1 seja sepultada. Seus bisavós argumentaram o mesmo quando a Abolição estava para sair; seus avós não aceitaram a criação da CLT; seus pais urraram quando foi aprovado o décimo terceiro salário. E eles próprios malharam um judas fantasiado de Dilma Rousseff quando houve ampliação de direitos de empregadas domésticas.
Alguns setores deverão sentir a redução da jornada, mas nada que represente o fim do mundo. Só os salários baixos e nossa herança escravocrata explicam que, no Brasil, praticamente todas as farmácias, todos os supermercados e todos os shoppings fiquem abertos nos fins de semana e nos feriados. Sabemos que não há a menor necessidade de tamanha oferta — e o país precisa aprender a reconhecer o direito da felicidade alheia.