O prazer da leitura é que gera leitores

Sim, a leitura gera saber, amplia visões de mundo. Tudo isso é muito bom, mas nada substitui a deliciosa experiência de ler.

Por Fernando Molica

É fundamental associar a leitura a algo prazeroso.

Um dado meio que perdido na pesquisa Retratos da Leitura 2024 é essencial: apenas 8% dos que têm hábito de ler consideram que a atividade é "interessante e prazerosa".

Entre os 47% considerados leitores pelos critérios do levantamento, 46% afirmaram que a leitura "traz conhecimento". Trata-se de uma constatação importante e incontestável, mas dá à prática um peso de utilidade. É como alguém dizer que faz sexo por recomendação médica ou para apenas para gerar filhos ou que bebe vinho para reduzir o colesterol.

A pesquisa reforça os muitos motivos que afastam brasileiros de livros, a começar pelos abismos na educação e de renda (apenas 18% dos entrevistados têm curso superior; 75% são das classes C, D e E).

Há também o explosivo crescimento do uso da internet no tempo livre (78% dos ouvidos, contra 66% em 2019 e 47% em 2015 — os percentuais ficam entre 93% a 89% na faixa que vai dos 14 aos 39 anos).

Mas todos os problemas estruturais e conjunturais seriam menores se houvesse uma maior percepção de que livro é, principalmente, fonte de prazer. Sim, a leitura gera saber, amplia visões de mundo. Tudo isso é muito bom, mas nada substitui a deliciosa e fascinante experiência de ler. 

Num país tão injusto, livros acabam muitas vezes associados a mecanismos de opressão e de legitimação de poderes. As elites que historicamente escrevem e leem costumam ser as que governam, que criaram ao longo dos séculos mecanismos de exclusão social — a imagem de uma linda biblioteca é capaz também de intimidar.

Bater apenas na tecla que associa livro a conhecimento acaba, muitas vezes, reforçando a ideia de que ler é uma tarefa. Algo importante, mas chato, como a necessidade de estudar para uma prova.

É comum haver famílias que consideram meio esquisitos adolescentes ou crianças que dedicam parte de seu tempo aos livros. Não conseguem entender as muitas viagens que aquela menina ou aquele menino faz em silêncio.

As agora sistemáticas campanhas contra determinados livros pioram a situação. Movidas pelo preconceito e pelo oportunismo, costumam focar em obras que tratam de temas que fazem parte da vida cotidiana, como sexo, drogas e racismo.

E tome de baboseira e de preconceito. Um jorro de imbecilidades que, de um modo geral, revela muito sobre os medos de quem reclama, pessoas que temem lidar com seus próprios desejos e dúvidas, que se acorrentam a convicções políticas e religiosas para tentar evitar encarar suas questões.

Uma panfletagem que procura impedir o básico, o encontro de crianças e jovens com livros que dialogam com suas realidades e dúvidas.

Histórias que abrem caminhos e possibilidades, auxiliam na compreensão do outro, revelam a beleza do uso do idioma, ampliam as possibilidades das palavras. Ler é bom porque é muito bom — todo o resto é consequência.