Os que vão tentar fingir distância da rataria
Diferentemente de tantos outros parlamentares e governantes, o ex-capitão nunca escondeu quem é e o que pensa - até porque, como já admitiu numa entrevista a Jô Soares, a defesa do indefensável (golpe, ditadura, tortura) é que lhe garantia presença em programas de TV, jornais e colunas de notas.
O indiciamento de Jair Bolsonaro e as evidências apuradas pela Polícia Federal levam a direita para um desafio: o que fazer com o ex-presidente — bom de voto, ruim de golpe e péssimo no respeito à democracia?
Acossado pelo fenômeno Pablo Marçal e muitas vezes acusado de não orar pela cartilha bolsonarista, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apelou para a narrativa que fala em... narrativa, em uma suposta armação contra o o ex-capitão e seus explosivos aliados.
Outros possíveis candidatos da direita que de uns anos pra cá ousa dizer seu nome estão quietos, como se isso fosse suficiente para esconder o que eles fizeram em eleições passadas.
Diante de uma eventual condenação do ex-presidente é previsível que muitos políticos que pegaram carona em sua popularidade venham a público dizer que estão chocados, que jamais imaginavam que ele seria capaz de articular um golpe.
Cada um que defenda suas posições, mas não vai ser fácil desvincular Bolsonaro da maioria dos políticos de direita ou que passaram a se apresentar como vinculados a esse campo ideológico.
Diferentemente de tantos outros parlamentares e governantes, o ex-capitão nunca escondeu quem é e o que pensa — até porque, como já admitiu, a defesa do indefensável (golpe, ditadura, tortura) é que lhe garantia presença em programas de TV e em jornais. Sempre esteve do lado da "rataria", para citar a palavra mencionada por um dos militares golpistas.
Ele antecipou a lógica da lacração que depois seria adotada e produzida em quantidades industriais por sua assessoria. Foi ele que colocou à porta de seu gabinete cartaz em que ironizava famílias que buscavam localizar restos mortais de parentes mortos na tentativa guerrilheira no Araguaia: para o então deputado, apenas cachorro procura osso.
Nem o maior dos adversários do ex-presidente pode negar que ele sempre foi fiel ao que pensa, nunca tentou adaptar ou amenizar suas opiniões, nem mesmo quando, na pandemia, optou por colocar em risco milhões de brasileiros — muita gente morreu vítima da irresponsabilidade federal.
Sua participação no golpe — confirmada por dois dos então comandantes das Forças Armadas — não seria assim qualquer supresa, mas uma confirmação de lealdade do presidente ao Cavalão, seu apelido na Academia Militar das Agulhar Negras.
Entre os que montaram no Cavalão que passou selado à frente estão aloprados, políticos novos e raivosos, mas há também muitos experientes, donos de carreiras construídas ao longo do tempo. Estes sempre souberam que a opção bolsonarista poderia, no limite, acabar com seus empregos no Congresso ou em governos estaduais.
Mas, mesmo assim, foram adiante. Não atentaram nem mesmo para o exemplo de João Doria que, eleito pelo voto BolsoDoria, experimentou o veneno presidencial assim que deixou claro seu interesse em concorrer ao Planalto. Achou que a concorrência seria abençoada por quem sempre defendeu a ditadura.
Na Presidência, Bolsonaro fez questão de deixar feridos pelo caminho, mostrou que defendia apenas uma família, a sua. Mas, graças à sua popularidade, continuou ganhando aliados — fez até com que Valdemar da Costa Neto, o pragmático presidente do PL, descobrisse uma ideologia pra chamar de sua.
A última eleição mostrou que a fila da direita começou a andar, que o ex-presidente não é tão dono dos votos que julgava ter. Alvo de tantas acusações, seu prestígio tende a ser ainda mais abalado. Agora, precisa provar que não fez o que tantas vezes ameaçou fazer.
Antigos aliados têm também uma tarefa complicada — dizer que nunca souberam ou desconfiaram de nada, que ficaram longe da rataria.