O estado de cercadinho de Bolsonaro
Jair Bolsonaro confessou suas intenções golpistas ao admitir ter analisado a possibilidade de decretação do estado de sítio, que dá ao presidente poderes ditatoriais. Desenhou o golpe que queria dar dentro das tais quatro linhas da Constituição.
O que ele falou se encaixa no que foi previsto pela tal minuta do golpe que passou por suas mãos: decretação do estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, o que permitiria a anulação da eleição presidencial.
Segundo a Constituição, o estado de defesa é aplicável em "locais restritos e determinados" e, diferentemente do estado de sítio, não depende de autorização prévia do Congresso Nacional.
Isto, apenas para restabelecer "a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza".
Admissível apenas em caso de guerra, de agressão armada estrangeira ou de comoção grave de repercussão nacional não contida pelo estado de defesa, o estado de sítio prevê a suspensão das garantias constitucionais.
Sua decretação dá ao presidente o direito de estabelecer censura às comunicações, suspender liberdade de reunião, determinar busca e apreensão em domicílios, prender cidadãos em prédios não destinados para este fim e requisitar bens.
A eleição ocorreu em paz, com exceção de incidentes pontuais e da tentativa da Polícia Rodoviária Federal de impedir o acesso de eleitores, principalmente nordestinos, a seções eleitorais.
A confusão foi causada depois por simpatizantes de Bolsonaro que, com a anuência e estímulo de chefes policiais e de comandantes militares, bloquearam estradas e fizeram acampamentos golpistas diante de quartéis, áreas de segurança.
Não havia qualquer motivo para decretação de estado de defesa ou de sítio — a birra e a frustração de um derrotado não podem ser alegadas para a tomada de medidas tão graves, que afetariam a vida de cada um de nós.
Alguns dos depoimentos e gravações que vieram à tona mostram também que Bolsonaro, como golpista, teve um desempenho equiparável ao demonstrado na cadeira de presidente.seu mandato. Revelou — ainda bem — ser incapaz de tomar as medidas para derrubar a democracia.
O fato de não ter contado sequer com a unanimidade dos comandantes militares não seria obstáculo definitivo para a aventura golpista. Como presidente, ele tinha poderes para demitir e nomear quem quer que fosse, e os fatos mostram que havia uma boa quantidade disponível de oficiais da ativa com vontade de virar a mesa.
Bolsonaro, porém, como ocorreu em outros episódios de sua história, confirmou sua indecisão, seu medo de tomar uma atitude mais efetiva — provou ser muito mais radical com palavras do que gestos. Isso não é de hoje, foi assim quando, em 1987, revelou a uma repórter da revista Veja um plano de provocar explosões, inclusive em quartéis. Quem relata uma conspiração terrorista a um jornalista torce para que o plano seja abortado.
Na Presidência, várias vezes recuou diante de posições mais duras do Supremo Tribunal Federal. Amenizou falas, disse que não havia sido bem isso que havia dito. Logo depois, retomava a retórica tradicional, mas nunca deixou a corda esticada chegar perto do rompimento.
Derrotado, continuou a estimular os acampamentos golpistas, manifestou em público o risco de uma virada, mas ficou por aí. Deixou seus companheiros de armas na mão e se mandou para os Estados Unidos. Sua eventual participação na intentona do 8 de Janeiro ainda precisa ser melhor apurada, mas, até agora, fica evidente que ele participou das articulações golpistas e deu uma fraquejada na hora de executá-las. Seu estado de sítio não passou de um estado de cercadinho em que vomitava ofensas e ameaças.