A discussão da Proposta de Emenda à Constituição que amplia a isenção tributária de entidades religiosas e de seus templos reforça como o crescimento do eleitorado evangélico tem sido usado como forma de pressão indevida sobre o Estado brasileiro.
É justo que a Constituição garanta a liberdade de culto e que não permita ao governante de plantão estabelecer impostos que possam servir como elemento de perseguição a essa ou aquela religião. O mesmo vale para entidades sindicais de trabalhadores e partidos políticos.
O problema é quando a sociedade como um todo — inclusive os ateus e os sem religião — é obrigada a subsidiar o exercício da fé. Qualquer privilégio tributário representa um peso extra nas costas de quem dele não se beneficia.
Para compensar o imposto que não será pago por A, B terá que recolher mais à Receita. Ou, como ocorre, o Estado será obrigado a se endividar ainda mais ou abrir mão de fazer obras ou prestar serviços.
Pode-se alegar que o país não chega a ser um exemplo na execução de suas tarefas, mas os governos são eleitos de forma democrática pela população, que assim legitima uma determinada opção política que, em tese, reflete-se em prioridades orçamentárias.
Muita gente pode lembrar que o crescimento avassalador e desproporcional das emendas parlamentares deforma o orçamento, transforma deputados e senadores em ordenadores de despesas. Mas, mesmo assim, há uma lógica política que, mesmo torta, reflete opções do eleitor.
Ao distribuir isenções de forma irrestrita para religiões, templos e suas associações, o Estado abre mão de estabelecer prioridades no uso de dinheiro público.
A PEC apresentada pelo deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, impede a cobrança de impostos sobre "a aquisição de bens e serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços".
Isto, no caso de entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes. Vale também para partidos políticos e suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos.
Como ressaltou no plenário o deputado Glaber Braga (Psol-RJ), a PEC impede a cobrança de impostos sobre a compra de um jatinho por uma igreja — na sessão, Crivella admitiu que sua denominação tem uma dessas aeronaves.
Segundo alguns cálculos, a aprovação da PEC geraria uma queda anual de receitas no valor de R$ 4 bilhões, uma conta que será paga por todos nós. Não quero ser obrigado a subsidiar a compra de um jatinho novo pela Universal ou por uma eventual entidade da Igreja Católica ou por qualquer outra crença.
Como mostrou a coluna Correio Bastidores, a PEC foi subscrita principalmente por partidos de direita e do Centrão; é discreta a presença de deputados de esquerda entre seus apoiadores. Para não comprar briga com evangélicos, o governo federal tinha dado sinal verde à PEC, mas o ministro Fernando Haddad entrou em campo e tenta diminuir o tamanho do prejuízo.
Mais uma vez uma ala do governo tropeça ao insitir no erro de abrir mão da luta política para tentar comprar apoio de lideranças evangélicas que dominam grandes igrejas.
Assim, renova um equívoco: faz carinho nos donos de denominações e não insiste mais na conversa com cidadãs e cidadãos evangélicos. Estes são pagadores de impostos que, em sua grande maioria, não seguem denominações midiáticas; pessoas que, como a grande maioria do povo brasileiro, usam o SUS, têm filhos em escolas públicas. Elas precisam saber que a PEC prevê menos grana para tudo isso.