A pressão exercida pelo Congresso para o Palácio do Planalto liberar todas as verbas de emendas parlamentares tem uma grande vantagem: deixa ainda mais evidente o esquema de toma lá-dá cá da política brasileira.
No fim das contas, pouco importa se o pacote econômico do governo é bom ou ruim, se a reforma tributária vai mesmo simplificar a vida dos brasileiros. A maior parte dos deputados e senadores pouco se importa com isso. O ele que querem é dinheiro na conta daqueles abençoados com suas emendas.
Ao eleger um parlamentar, o eleitor dá a ele o poder de negociar seu próprio voto no Congresso. Diferentemente do que ocorre eleições gerais, na Câmara e no Senado não é crime vender votos. Isso é visto como normal.
Ao escolher representantes sem levar em conta um mínimo de compromisso ideológico, o cidadão dá ao eleito um cheque em branco. O deputado ou senador pode votar mais à esquerda ou à direita sem ter que prestar contas de sua posição, faz o que bem entende.
Daí que partidos do Centrão ampliado votam com Lula da mesma forma que respaldaram medidas de Jair Bolsonaro, tanto faz se os projetos apontam pra lá ou pra cá. O importante é garantir a liberação da grana.
As chamadas emendas pix foram incluídas na Constituição no fim de 2019, no primeiro ano do mandato de Bolsonaro, que já então se preocupava em garantir seu mandato e manter maioria no Congresso.
Oficialmente, são chamadas de "transferências especiais", repassadas "diretamente ao ente federado beneficiado, independentemente de celebração de convênio ou de instrumento congênere".
Em outras palavras: o deputado ou senador manda o dinheiro para o estado ou município independentemente do que será feito com a verba, o governador ou o prefeito que trate de decidir. Acredite, isso está na nossa lei maior.
Não custa lembrar que, não faz tanto tempo assim, as emendas também eram usadas no processo de compra e venda de votos no Congresso, mas quem dava as cartas era o Executivo. Cabia ao governo decidir que verbas iria liberar.
Já enfraquecida, a então presidente Dilma Rousseff foi obrigada a ceder e a admitir a obrigatoriedade de pagamento de parte das emendas, o que seria radicalizado por Bolsonaro. Com novas concessões que fortaleceram o caráter compulsório de entregas de dinheiro, ele viabilizou o orçamento secreto, barrou qualquer ameaça e, de quebra, livrou-se da chatice de administrar o país — repassou o governo pro Centrão.
O poder, então, foi invertido. O Congresso é que passou a controlar o governo. Como um dragão que exige cada vez mais sacrifícios para não tocar fogo na cidade, o parlamento perdeu qualquer compostura ao deixar claro as regras do seu jogo: ou Planalto paga as emendas, mesmo que desafiando ordens do Supremo Tribunal Federal, ou vai perder votações importantes. Isso, mesmo em temas que deveriam ser considerados suprapartidários.
Hoje, as emendas representam cerca de 25% do pouco que sobra do orçamento federal para investimentos. Um dinheiro que acaba sendo pulverizado em obras muitas vezes paroquiais, não ligadas a projetos estruturantes.
Fora o que acaba sendo desviado pelos caminhos de sempre e que escapa da fiscalização dos órgãos de controle e da Polícia Federal. É mais complicado investir esforços de apuração em obras que, muitas vezes, são de baixo orçamento.
Há alguns anos, deputados e senadores eram vistos como despachantes de prefeituras, corriam de ministério em ministério pedindo liberação de verbas. Hoje, ministros é que lhes pedem dinheiro de emendas. O jogo é às claras: depois, os caras reclamam do desprestígio da chamada classe política.