Por: Fernando Molica

A expansão do crime ameaça a soberania nacional

Diely da Silva Maia, turista morta no Rio | Foto: Reprodução/Redes sociais

Os casos dos turistas baleados ao entrarem por engano em favelas cariocas reforçam que é absurdo nos acostumarmos com o fato de que grandes áreas de muitas de nossas cidades são dominadas por criminosos que, por lá, fazem o que querem.

Não é incomum que metrópoles de todo mundo tenham bairros mais perigosos. Mas a existência de cidadelas vigiadas por bandidos que usam armas pesadas é algo raro em países que não estão em guerra.

Um exemplo extremo: os militantes de esquerda que, durante a ditadura, tentaram implantar processos guerrilheiros não conseguiram dominar qualquer pedaço do território brasileiro.

É óbvio que os abusos então cometidos — que incluíram torturas e assassinatos até de civis — não são admissíveis. Mas é assustador que a sociedade brasileira tenda a naturalizar algo que ameaça a soberania nacional. 

Parte da população ainda costuma renovar sua fé num tipo de enfrentamento que, ao longo dos anos, contribuiu apenas para empilhar cadáveres, provocar situações de caos, segregar ainda mais as comunidades pobres, enriquecer setores da polícia e do aparelho estatal e eleger políticos que repetem o elogio do massacre.

Até por suas características geográficas — a presença de favelas em regiões nobres e centrais da cidade —, o Rio é talvez o melhor exemplo desse absurdo. Desde o fim dos anos 1970 que, com breves interrupções, governos renovam e incentivam operações em áreas pobres, sempre com a desculpa de combate aos bandidos. No dia seguinte, o crime retoma suas atividades normalmente.

Segurança pública é importante demais para discutida apenas no aspecto policial, trata-se de condição básica para o exercício da cidadania, um objetivo que envolve a construção de uma sociedade minimamente equilibrada, que ofereça educação, saúde, moradia, trabalho, lazer. O papel principal da polícia é o de garantir direitos, não o de reprimir e prender.

Não adianta fazer tudo errado, gerar e manter um país injusto, racista, desigual e excludente e querer que a polícia dê conta dos problemas que fatalmente surgirão em grande escala.

Nos acostumamos a jogar na conta dos policiais a tarefa de conter as explosões que nós produzimos ao longo dos séculos — eles chegam na hora em que todo o resto deu errado.

Ao verbalizar o sentimento de vingança e propagar a intolerância com o respeito aos direitos de todos, a extrema direita tornou ainda mais inviável qualquer discussão séria sobre segurança pública.

Aposta na lógica do varejo, do bangue-bangue, dificulta providências mais amplas, que envolvam a construção de sistemas que sejam ao menos compatíveis com o grau de sofisticação das organizações criminosas.

Não dá pra ficar trocando tiro em favela quando o PCC, por exemplo, amplia sua influência nacional e internacional e lava bilhões de reais. Não adianta berrar contra o decreto do presidente Lula que, em seus pontos  mais sensíveis, apenas repete uma lei em vigor desde 2014, a que proíbe atirar contra pessoas desarmadas que não ameaçam ninguém.

A esquerda também se mostra incapaz de estruturar uma política mais ampla. A escalada de homicídios na Bahia, estado governado pelo PT desde 2007, mostra que, na segurança, a incompetência supera qualquer barreira ideológica.

O país precisa entender o tamanho do risco que corre. A expansão crime afasta atividades econômicas (muitas indústrias foram fechadas em subúrbios cariocas) e ameaça comprometer o turismo em cidades como o Rio. Não adianta encher a orla de policiais, criar bolsões de segurança: basta um erro de trajeto para que pessoas como a jovem Diely da Silva Maia sejam fuziladas. Cidades seguras para turistas são aquelas seguras para seus habitantes.