Por: Fernando Molica

Macarronese, estrela dos natais suburbanos

Prato clássico de macarronese | Foto: Divulgação/Produção TFV

Adoro macarronese, o prato em si e a palavra que o define. O nome afrancesado dá uma certa sofisticação àquela mistura de macarrão parafuso, maionese, batata palha, presunto, ervilha, milho, salsinha, cebolinha — a lista de ingredientes é interminável, compete com a letra de "Vatapá", de Dorival Caymmi.

Macarronese é muito mais do que uma salada de macarrão, uma definição sem graça, que não provoca curiosidade, não atiça glândulas gustativas; lembra aquelas palavras que definem partes do corpo humano e, de tão anódinas, são pronunciadas apenas em consultórios médicos.

Já a deliciosa mistura de componentes tão improváveis transmite a ideia de nobreza, de algo importado de terras distantes e chiques, de refeições servidas num daqueles bailes cheios de príncipes e princesas. Dá até pra imaginar um dos convidados dizendo pro maitre: "Monsieur, la macarronese, s'il vous plaît."

A ideia de sofisticação vem da maionese, melhor, da "mayonnaise", resultado da mistura de ovos, azeite e temperos, outra herança francesa. Diz o Houaiss que a palavra está relacionada ao Porto Mahon, capital de Minorca, nas Ilhas Baleares, conquistada, em 1756, pelo duque de Richelieu — acerta, portanto, quem vê origens nobres no prato.

A macarronese, que só conheci há uns 30 anos, passou a disputar espaço com o lugar que, na infância e adolescência, em Piedade e no Méier, era destinado a outras chiquezas, como o estrogonofe, o bife à parmegiana e o arroz à piamontese. A onda dos japas chegou bem depois e acabou alçada ao topo do imaginário do jantar sensual, elegante e romântico.

Mas a macarronese tem a particularidade de ser associada a dias de festa, principalmente no fim do ano, espécie de versão salgada da rabanada. Não é comum encontrá-la em cardápios (costuma bater ponto no Bafo da Prainha, no Centro, foi lá que comi a última fora de casa).

Para servi-la mais geladinha e até por uma questão de saúde pública — não dá pra deixar pratos à base de maionese fermentando no calor de dezembro —, a macarronese costuma demorar a ser colocada na mesa. Diferentemente do peru, do pernil e do bacalhau, a travessa com o pitéu costuma, orgulhosa, aterrisar na ceia já perto da meia-noite, fecha o set list da comilança. Vem precedida de um anúncio como aqueles feitos por arautos da nobreza: "Olha a macarronese!", costuma dizer a sogra, orgulhosa, enquanto olha para os lados à espera da aprovação dos convidados.

Apesar de toda a cerimônia, o prato não tem aquela afetação que contaminou os restaurantes caros e modernos, cujos cardápios exibem denominações que lembram nomes próprios do tempo do Império. Algo como Pedro de Alcântara em leito de espuma com fios de João Carlos com pitadas de Leopoldo Salvador Bibiano acompanhado de massa fresca de Francisco Xavier com toque de Paula Leocádio Miguel pimenta leve dos alpes de Gabriel Rafael Gonzaga e sal marinho de Bragança e Habsburgo.

Macarronese vem quase gelada, mas não é fresca. Combina com as melhores e piores cervejas do mercado, cai bem com qualquer espumante, até com aqueles bem vagabundos, adora ser misturada com carnes diversas, aceita arroz e batatinhas calabresas. Fora que, no dia seguinte, seu teor calórico e a presença de tanto carboidrato quebram o maior galho na hora de rebater a ressaca.