Ao liberar a mentira em suas redes, Mark Zuckerberg age como um cúmplice dos que espalham dinheiro, combustível ou medicamentos falsos no mercado. É como se o Banco Central, a Agência Nacional do Petróleo e a Anvisa deixassem de controlar a validade das cédulas, da gasolina e dos remédios — a tarefa seria de cada um de nós.
Informação confiável é relevante para todos. Mentiras são capazes de destruir reputações e vidas, de provocar mortes e abusos de crianças, de incentivar suicídios, de sabotar democracias, de levar à perseguição de povos, de etnias, de grupos religiosos — judeus, palestinos, bósnios, armênios e tutsis, entre outros, sabem disso.
Ao acabar com checagem de informações do Facebook, do Instagram e do Threads, Zuckerberg vai dificultar sua vida, leitor/leitora, na hora de tentar retirar dessas redes montagens que mostrem sua filha em situações constrangedoras, informações falsas sobre sua empresa, boatos contra sua família.
Diferentemente do que pregam os que vivem das fake news, não existe liberdade para mentir: o Código Penal é claro aos definir os crimes de injúria, calúnia e difamação. Numa democracia, todos temos o direito de falar o que bem entendermos, mas estamos sujeitos a pagar pelo que afirmamos.
A liberdade que tenho para escrever este e outros textos parte do pressuposto de que eu, e, no limite, o Correio, podemos ser responsabilizados pelo que é publicado. O jornal tem endereços físicos e virtual, é obrigado a respeitar a legislação, o contraditório e o direito de resposta. Isso não atenta contra a liberdade de imprensa, reforça o compromisso que temos com os leitores e com a sociedade e com a qualidade do produto é oferecido.
As redes sociais são veículos de comunicação, ganham — muito — dinheiro com venda de publicidade, com a comercialização de perfis que se encaixam no foco de produtos e partidos políticos. Como TVs, rádios, jornais e sites, não podem se eximirem da responsabilidade pelo que publicam, não têm o direito de lavarem as mãos, de deixarem para seus consumidores a tarefa de brigar com a mentira. Não são associações recreativas, mas empresas gigantescas.
A Meta, dona das tais redes, é responsável pelo que expõe. Não tem, obviamente, como impedir a publicação de fake news, mas isso não a impede de retirar do ar o que representa uma evidente mentira ou ataque a pessoas ou a grupos. O comandante de um avião tem o direito e o dever de retirar o passageiro que ameaça a segurança da viagem.
Todos nós podemos gostar ou não gostar do Lula e do Bolsonaro, chamá-los de incompententes, equivocados, criticar suas falas e atitudes, suas visões de mundo. Mas corremos o risco de sermos processados se a eles atribuirmos crimes não comprovados. Censura? Não, é o mesmo princípio que garante a cada um de nós o direito de não sermos vítimas de injúrias, calúnias e difamações.
O caráter transnacional das redes sociais dificulta a possibilidade de punições. Posso ser condenado se ofender meu vizinho numa conversa entre nós dois, mas terei boa chance de ficar impune se, anonimamente e/ou do exterior, postar algo ainda mais grave contra ele e que será lido por muita gente.
A Justiça existe para fazer cumprir leis que cada sociedade julga essenciais para sua própria existência. Ninguém pode ficar acima das normas; os sinais verde e vermelho têm que ser respeitados, caso contrário, todos atropelaríamos e seríamos atropelados.
Sob a capa de defensores da liberdade, ativistas e políticos que atacam qualquer controle social das redes são, de modo geral, autores ou cúmplices de notícias fraudulentas. Protegem traficantes que atuam como os que espalham dinheiro, combustível ou remédios falsos, ajudam terroristas a entrarem com bomba num avião.