Duas exposições que estão no Museu de Arte da Bahia, em Salvador, são uma espécie de prova incontestável dos benefícios da imigração e das trocas culturais. Os autores das obras — Carybé e Olga Gómez — nasceram na Argentina, mas são tão baianos quanto o trio elétrico.
Olga é uma artista plástica de 66 anos que foi parar em Salvador de férias e de lá não saiu mais. Especializada na criação de bonecos articulados, ela, como Geppetto de "Pinóquio", cria vida a partir da madeira.
São esculturas de diferentes tamanhos, de gestos e expressões marcantes, que demonstram alegria, tristeza, perplexidade, que exalam beleza.
Algumas, cabisbaixas, parecem carregar boa parte da dor humana; outras são leves como as bailarinas que remetem a pinturas e bronzes de Edgar Degas. São obras aos mesmo tempo simples e complexas.
Fundadora da companhia A Roda, de teatro de bonecos, Olga demonstra uma imensa capacidade de gerar movimento, de não nos deixar parados. Passear por sua exposição é como aceitar um convite para dançar.
A grande atração da mostra "Carybé e o povo da Bahia" são 227 desenhos originais em nanquim sobre papel feitos pelo artista, no início dos anos 1950, sob encomenda de Anísio Teixeira, então secretário de Educação e Saúde da Bahia.
Se os bonecos de Olga nos chamam para a dança nos salões, os desenhos de Carybé (1911-1997) nos levam para passear por Salvador. Para beber, comer, jogar capoeira, conversar nas esquinas, ajudar a puxar a rede dos pescadores.
O desenhista, pintor, escultor, ilustrador, pesquisador, historiador, jornalista, ceramista, ilustrador gravador, Obá de Xangô do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá é exuberante no uso de traços simples, objetivos, essenciais. Tudo num preto e branco que parece explodir em cores e movimentos. É como se houvesse uma quase contradição do tanto que faz com tão pouco.
Seus desenhos são como crônicas visuais da Bahia, no melhor sentido desse tipo de gênero literário. Não é algo que pretenda retratar, enquadrar e descrever de maneira minuciosa as gentes e as ruas. Como os melhores cronistas, foca num determinado aspecto do que vê, como se isolasse aqueles personagens do conjunto.
O que importa é destacar aquele jeito de dançar, a determinada expressão de um garotinho que caminha de mãos dadas com o pai numa festa de largo, a jovem que move os quadris ao andar — sim, elas se movem. Os quadros têm o perfume do dendê.
Os trabalhos de Olga e de Carybé exalam carinho pelo país, por sua gente. Demonstram integração e recriação de uma determinada realidade, apontam para a vida tão bela criada por pessoas geralmente tão pobres.
Não me supreenderia ao saber que, à noite, longe dos olhos do público, bonecos e personagens conversam, cantam músicas de Dorival Caymmi, falam de livros de Jorge Amado, de histórias de mares e sertões.