Por: Fernando Molica

Acorrentados constrangem extrema direita

Deportados receberam alimentação em Manaus | Foto: Alex Pazzuelo/Secom/Governo Amazonas

As imagens de brasileiros acorrentados e os relatos de agressões sofridas no voo de deportação dos Estados Unidos representam um calo para bolsonaristas e outros adoradores de Donald Trump. As vítimas dos maus tratos não são esquerdopatas ou adversárias de Israel, mas, na grande maioria, pessoas com perfil semelhante ao existente na base da extrema direita.

São homens e mulheres batalhadores que desistiram do emprego formal - cada vez mais raro e mal-remunerado por aqui -, que compraram a ideia de vencer na vida com o próprio esforço, que acreditam no trabalho individual, que tendem a avaliar o Estado como um peso que cobra tantos impostos e entrega pouco. Pessoas que acreditam no projeto tão pregado pelos liberais.

Patrícios que transformaram o sonho de migrar para os EUA numa versão 5.0 de projetos de empreendedorismo tão populares. O velho fazer a América virou um superlativo, uma aventura muito mais radical e ambiciosa do que dirigir carro aplicativo, comprar uma moto para fazer entregas ou um trailer para vender lanches.

Não dá para chamar de bandidos todos aqueles brasileiros que ousaram largar o próprio país para tentar uma vida melhor. Eles foram um contigente cada vez maior de pessoas que não veem saídas por aqui, que há gerações têm nas mãos feridas causadas por pontas de facas esmurradas.

A opção de emigrar para os EUA - o mais capitalista dos países - também indica uma tendência ideológica, de visão de mundo. Por lá, na eleição de 2022, Jair Bolsonaro deu uma goleada em Lula - 65,48% dos votos contra 34,52% (em Miami e em Boston, cidades há grande concentração de brasileiros, o então presidente teve, respectivamente, 81,18% e 75,75% dos votos). 

É bem provável que a maioria dos deportados tenha votado em Bolsonaro ou, pelo menos, acalente mais simpatia por ele do que pelo petista. Já nos países europeus, Lula teve vitórias bem expressivas.

O problema não é a direita e extrema direita brasileira preferirem Trump aos democratas, é até esperável que seja assim. A questão é grau de adesão e de culto a um político cujas propostas, no limite, são contraditórias com interesses brasileiros.

O caso dos imigrantes é mais visível e, mesmo, caricatural, mas setores importantes da economia brasileira, inclusive no agronegócio, colecionam embates com os norte-americanos. Um ponto é defender princípios gerais da política; outra é transformar princípios ideológicos em visões religiosas do mundo, algo tão presente nos últimos tempos.

Mais do que para defender princípios liberais, que tratam, por exemplo, do livre comércio, Trump foi eleito para blindar interesses de seus concidadãos. E ele, vale ressaltar, nunca escondeu isso - mesmo diante da vergonhosa bajulação promovida por políticos brasileiros, deixou claro, em resposta a jornalista brasileira, que nós precisamos deles muito mais do que o contrário.

A América que ele quer ver grande é a do Norte, mais especificamente, a que ocupa território entre o Canadá e o México. Trump está se lixando para o que acontece ao sul de seu país, deve rir muito dos aduladores que usam o boné que reafirma o direito de os EUA ferrarem com a gente.

Bolsonaro & filhos, o governador Tarcísio Padilha e Pablo Marçal sabiam que o ideário trumpista incluía a deportação de imigrantes ilegais e, portanto, de brasileiros. Podem alegar que a expulsão de indesejados foi mantida por Joe Biden, o que é verdade - o democrata, porém, não todos os imigrantes ilegais como criminosos, criou normas que facilitavam a legalização de muita gente, não disse que estrangeiros comiam animais domésticos.

E, desta vez, não houve apenas relatos, mas imagens de brasileiros que precisaram promover uma rebelião a bordo do avião contratado pelo gorverno norte-americano para desová-los por aqui,  acorrentados em seu próprio país - muitos deles descendentes de escravizados que cruzaram o Atlântico daquele jeito. Aqueles correntes serão por muito tempo arrastadas na conta dos fãs incondicionais de Trump, que prestam continência à bandeira de outro país.