Caso do soldado israelense revela guerrilha judicial

A tecnologia facilita a tarefa de quem quer atazanar a vida alheia - é como, se a exemplo do que Israel fez com o presidente Lula, o judiciário de vários países afirmasse que esses militares são personae non gratae, não são bem-vindas.

Por Fernando Molica

Soldado israelense Yuval Vagdani, que se viu obrigado a deixar o Brasil.

Os casos do soldados israelenses que se viram obrigados a sair do Brasil e de outros países revela uma estratégia de guerrilha judicial que busca mais o constrangimento do que punições. 

Tudo indica que, mais do que condenações, grupos pró-Palestina buscam criar incidentes que dificultem a vida de soldados de Israel pelo mundo, uma tradução prática das muitas condenações aos massacres que continuam a ocorrer em Gaza e em outras regiões do Oriente Médio.

Em Israel, o serviço militar é obrigatório, três anos para homens e dois para mulheres. O ataque terrorista do Hamas, em outubro de 2023, foi decisivo para que a Justiça derrubasse a barreira que dispensava judeus ortodoxos de cumprirem a mesma tarefa.

É comum que, passado o período de engajamento, esses jovens tirem férias de até um ano, quando viajam pelo mundo. Ao tornar alguns desses viajantes alvo de queixas judiciais por crimes de guerra, a Hind Rajab Foundation — que atuou no caso do soldado Yuval Vagdani, que teve que sair às pressas no Brasil —, procura ampliar os problemas de cidadãos israelenses.

Em consequência da guerra interminável, da política de ocupação de territórios alheios e dos ataques de grupos radicais, a vida em Israel está longe de ser tranquila. É o preço pago pela insistência em investir no acirramento do conflito, em não aceitar a existência de um Estado palestino soberano.

Ao criar problemas para soldados em férias, a Hind Rajab inova, mostra que há uma questão humanitária maior. A tecnologia facilita a tarefa de quem quer atazanar a vida alheia.

É como, se a exemplo do que Israel fez com o presidente Lula, o judiciário de vários países afirmasse que esses militares são personae non gratae, não são bem-vindas. Uma condenação que reverbera no governo e, mesmo, na população que elegeu. Israel, afinal, é uma rara democracia no Oriente Médio.

Há o risco de a estratégia resvalar no racismo, no antissemitismo ou gerar casos de violência contra cidadãos israelenses no exterior — é importante que a mesma Justiça que vê razões para questionar supostos criminosos de guerra não seja cúmplice de qualquer ataque. 

Israel sabe o que é perseguir criminosos de guerra, não há como condenar os responsáveis pela caçada internacional a nazistas que colaboraram com o Holocausto.  Mas é preciso dar a devida proporção aos fatos: não se trata de comparar soldados israelenses com figuras como Adolf Eichmann, um dos responsáveis pela matança nazista, sequestrado na Argentina e levado para Israel, onde seria julgado e morto. 

Mas, diante do massacre que ocorre em Gaza — onde mais de 45 mil pessoas já foram mortas desde 2023 —  e do silêncio cúmplice de boa parte da comunidade internacional, não é absurdo criar constrangimentos legais que questionem a banalização de algo tão grave e terrível. Sim, pego emprestada a palavra usada por Hannah Arendt.

Não se trata de banalizar também os ataques do Hamas; o terrorismo, praticado por grupos ou por estados, precisa ser condenado. É preciso parar com uma escalada de crimes que só beneficia os que ganham com os conflitos. 

A estratégia de criar dificuldades para soldados suspeitos de crimes é uma forma de ressaltar para Israel que ninguém pode viver sozinho, que há um preço a pagar pelo ataque desproporcional a Gaza, algo muito além de retaliação aos atos terroristas. Parece ironia, mas as fronteiras de Israel viraram quase uma prisão para Vagdani e outros colegas.

Hind Rajab, que deu nome à tal fundação, é a menina de seis anos que, em 2024, morreu após tropas israelenses impedirem que ela fosse socorrida pela Cruz Vermelha depois de um ataque, em Gaza, ao carro em que ela estava com a família.