Carlos Maçaranduba foi morar na Casa Branca
A necessidade de levar Trump de volta ao poder reflete menos a força e mais a fragilidade de um país que vê seu reinado ameaçado, principalmente pela China.
Em sua nova posse, o presidente norte-americano, Donald Trump, pareceu incorporar Carlos Maçaranduba, personagem do Casseta & Planeta, cujo bordão era simples e direto: "Vou dar porrada!"
Intepretado por Claudio Manoel, Maçaranduba era uma sátira aos fortões que protagonizavam atos de violência em nossas ruas e casas noturnas. Ele não tinha dúvidas, apenas certezas, e procurava se impor com base na força. Qualquer tentativa de moderação era rebatida com uma frase carregada de preconceito: "Isso é coisa de boiola!"
Trump apresentou variações do princípio consagrado pelo personagem. Prometeu dar porrada nos imigrantes ilegais, no Panamá, nos acordos climáticos; disse que vai taxar países que exportam para os EUA. A decisão de reconhecer apenas o sexo biológico de seres humanos se encaixa com perfeição na frase homofóbica de Maçaranduba — ele ficava irritadíssimo ao julgar que alguém colocava em dúvida sua masculinidade.
Como qualquer político eleito, Trump representa sonhos, ambições, expectativas e frustrações da maioria de seu povo. A necessidade de levá-lo de volta à Casa Branca reflete menos a força americana e mais a fragilidade de um país que se vê seu reinado ameaçado, principalmente pela China.
A necessidade de arrotar força é, quase sempre, motivada pelo medo. Quem está seguro não precisa reafirmar essa situação o tempo todo. Os freudianos poderiam acrescentar algumas visões sobre essa necessidade de exibição de poder: um charuto nem sempre é apenas um charuto.
Trump parece desconhecer que os EUA não viraram a potência que são apenas por sua força política, militar e econômica. Aprontaram muito, mas souberam seduzir até mesmo muitos dos que berravam Yankees go home.
Como resistir aos musicais, ao cinema que eles reiventaram; como não aplaudir Gene Kelly e Fred Astaire, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Walt Disney, Martin Luther King, Michael Jordan?Mas a presença dos donos das big techs na posse mostra que o tempo da sedução romântica, das doces mentiras dos musicais, acabou: o poder suave do cinema foi substituído pelo jogo pesado dos algoritmos montados nas fake news.
Parte significativa de avanços comportamentais nasceu e/ou prosperou nos EUA, até por uma radicalização da lógica liberal do faça o que bem entender da sua vida (a esquerda lá pelos anos 1960 tinha uma concepção bem mais conservadora de algumas das hoje chamadas lutas identitárias).
Mas agora, parece que a população norte-americana demonstra estar assustada com um mundo mais plural que, ironicamente, ajudou a criar. Um universo complexo que não mais pode ser dividido entre capitalistas e comunistas.
A lógica religiosa acabou adotada para riscar novas fronteiras do bem e do mal, do que pode e do que não pode. A ascensão de negros e outros não brancos representaria assim uma ameaça à terra prometida invadida pelos imigrantes ingleses — que mataram, tomaram terras e espalharam doenças no território alheio.
Mais do que eleito, Trump foi colocado numa espécie de altar, é um anjo vingativo que, dançando com uma espada na mão — olha o charuto de novo aí, gente! — promete recolocar tudo em seu devido lugar. Não dá bola nem pro pessoal do lado de cá da América que tanto o louva (já avisou que nós é que precisamos deles; como cantou Michael Jackson, eles não ligam pra gente).
Entronizado, Trump é um rei que não pode ser encarado nem por sua mulher que, com os olhos encobertos, servia de metáfora à cumplicidade dos que autorizam o presidente a fazer o que bem entender, sequer querem ver o que ele fará: e aí, porrada neles (em nós).