O principal erro do presidente Lula (PT), origem de boa parte de tropeços de seu governo, foi o de achar que ele venceu a eleição do mesmo jeito que das outras duas vezes. Em 2022, boa parte dos votos que ele recebeu representou, principalmente, uma manifestação contrária à reeleição de Jair Bolsonaro (PL).
O caráter plebiscitário da última disputa presidencial ficou claro desde o primeiro turno. As grandes manifestações de 2013/2014, a eclosão da Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff provocaram um terremoto na vida política brasileira que gerou algo até então impensável, a eleição, para o Planalto, de um deputado do baixo clero que se notabilizava pelo radicalismo, pela intolerância e pela violência verbal.
A vitória de Bolsonaro acabou com qualquer possibilidade de conciliação, ficou pra trás a chance de escolha de um candidato que, eleito, faria suas mudanças, mas não ameaçaria derrubar o edifício institucional.
Apesar da irresponsável grita de Aécio Neves contra as urnas eletrônicas - senha para boa parte do que viria depois -, ninguém pensava na possibilidade de golpe de Estado, de intentona, de virada de mesa. A polarização entre PT e PSDB era fruto de naturais divergências e de interesses - não impedia que adversários se cumprimentasse ou dividissem a mesma mesa. Diferentemente do que faria Bolsonaro, eles jogavam na lógica da construção, não da demolição.
2022 replicou 2018, não havia mais qualquer chance de convivência pacífica, de acordo; era o bem contra o mal, salvação versus danação - cada eleitor escolheu seu lado. Uma disputa que fez com que a maioria da população - que, como PSD, não é de esquerda, de direita ou de centro - marcasse uma linha no chão e gritasse: "É com esse que eu NÃO vou!"
Em 2002, Lula foi eleito em meio à crise do governo FHC, pela expectativa de que, obtida a estabilidade da moeda, haveria espaço para um início do resgate da impagável dívida social brasileira. Ganhou pela esperança nele depositada; compromisso que seria renovado quatro anos depois graças aos méritos de seu governo.
Embalado numa aprovação de 80%, o petista elegeu Dilma, que jamais disputara uma eleição. Lula 1 e 2 e Dilma 1 foram escolhidos pela esperança e pelos méritos que a população via no jeito petista de governar - eram tantos que acabaram suficientes para, na raspagem do tacho, darem um novo mandato à presidente.
Lula 3, porém, ganhou (apertado), principalmente pelos deméritos de seu adversário, que, em determinado momento, parecia fazer campanha contra si - apesar da quantidade absurda de dinheiro público que jogou na pista para tentar convencer o eleitor.
Naquela eleição, boa parte do eleitorado queria, mais do que tudo, livrar-se de Bolsonaro. É até difícil lembrar de promessas ou de compromissos assumidos por Lula ao longo da campanha. Isso permitiu que o petista se concentrasse na vitória, não num governo mais antenado com as novas expectativas da população.
Pressionada pelas mudanças no mundo do trabalho, muita gente se viu obrigada a pensar em novas formas de ganhar a vida; segurou a mão na teologia da prosperidade e foi em busca de alternativas enquanto Lula falava na volta de direitos trabalhistas eliminados sem muito esforço por Michel Temer.
Como ressaltou Felipe Nunes, diretor da Quaest, o apelo aos programas sociais deixou de fazer tanto efeito. Mais críticos, eleitores passaram a vê-los como uma espécie de direito básico, não como um favor. A conversão de Bolsonaro ao Bolsa Família mostrou que a iniciativa passou a ser vista como algo permanente, não como uma concessão.
Não é que Lula 3 tenha perdido o rumo - a questão é que, na prática, ele jamais o encontrou. Tem o grande mérito de ter cumprido a obrigação de levar o país de volta à vida institucional, não precisamos mais temer golpes, quarteladas, notas de comandantes militares. Isso é muito, mas acaba sendo pouco.