Por: Fernando Molica

Isenção de imposto permite que governo delimite um campo

Hugo Motta recebe de Lula projeto que reduz imposto de renda | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Depois de alguns tiros n'água, o governo acertou ao comunicar à sociedade que quer eliminar imposto de renda para quem recebe até R$ 5 mil e ainda reduzir sua incidência para os que têm salários que chegam a R$ 7 mil.

O uso do verbo "comunicar" na frase anterior é proposital — o fenômeno da comunicação é muito mais amplo que a simples divulgação de informações, representa uma sinalização ampla para a sociedade.

Mais do que anunciar uma medida, o governo demarcou um campo, linha que procura diferenciá-lo das teses defendidas por setores mais conservadores, em especial, pela extrema direita. Resgatou a imagem de defesa dos mais pobres que acompanhava o PT desde seu nascimento e que acabou suplantada pela associação do partido a casos de corrupção.

O projeto joga um problema nas costas da oposição. Para viabilizar o alívio à classe média, vai ser preciso tirar um pouco de quem tem muito mais dinheiro e que paga menos impostos. Desta vez, não vai dar para fazer um jogo típico de qualquer oposicionista, o de aumentar o tamanho do benesse sem se preocupar com sua viabilidade.

Para aprovar a proposta, deputados e senadores vão ter que violar um dos princípios básicos da sociedade brasileira e fazer algo que por aqui ainda é impensável: tirar algum dinheiro dos mais ricos e entregá-lo para mais pobres. 

O projeto é modesto ao estabelecer alíquota de a partir de 2,5%  para quem embolsa mais de R$ 600 mil por ano, R$ 50 mil por mês. A mordida máxima será de 10%, incidente sobre a renda dos que faturam mais de R$ 1,2 milhão anualmente, RS 100 mil mensais. 

A bondade tributária que beneficia quem recebe mais é simples de ser explicada. Assalariados não têm como correr do leão, já que tem as pernas amarradas no contracheque, o desconto do imposto de renda é na fonte. Quem é dono de empresas — mesmo daquelas cartoriais — pode optar por receber a maior parte de seu dinheiro como dividendos, isentos, hoje, de IR.

A carga tributária, mesmo para empresas, é pesada entre nós, mas é preciso diferenciar o imposto das pessoas jurídicas daqueles pagos por seus donos, pessoas físicas. E estes são muito beneficiados pela legislação. Empresas pagam pró-labore para seus donos, uma espécie de salário, o problema é que a tabela do IR incide sobre esses ganhos. Para escapar disso, o pró-labore costuma ser baixo, o grosso entra via dividendos, tudo dentro da lei. 

Desta vez, a oposição não vai poder falar em "Taxad", o apelido que procura grudar no ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sempre em busca de mais arrecadação. Afinal, a mão que vai cobrar impostos de quem ganha mais — 141,4 mil contribuintes, segundo o governo — é a mesma que vai aliviar o bolso de dez milhões de brasileiros. 

Vozes importantes do Congresso tentam escapar do dilema, falam que controlar e diminuir gastos estatais é tão importante quanto aliviar a classe média. Sem dúvida. O problema é que parlamentares não pensam nisso na hora de enfiar suas emendas no orçamento e de aprovar incentivos fiscais para muitos setores, prática esta que faz com que todos banquemos isenções concedidas a aos privilegiados de sempre.

A mudança no imposto de renda é apenas um primeiro passo para corrigir uma injustiça assentada, principalmente, nos tributos sobre consumo. Em qualquer país minimanente decente, o foco da arrecadação está na renda — cobra-se mais de quem ganha mais.

O Brasil, além de ferrar mais de quem ganha menos, dissolve impostos no consumo, uma injustiça pesada, que, de maneira sutil, iguala os tributos de ricos e pobres — todos, pagam a mesma taxa na hora de comprar qualquer produto ou serviço.