Por: Fernando Molica

Posição de Fux sobre pichadora ajuda a esvaziar anistia

Escultura vandalizada por Débora Rodrigues dos Santos | Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Ao anunciar que deverá sugerir redução da pena de 14 anos de prisão proposta para a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, a do batom, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, deu um passo relevante para esvaziar a proposta de anistia a golpistas.

Criminalistas e estudiosos da violência urbana não se cansam de criticar projetos de aumento de penas. Costumam ressaltar que o importante não aumentar penas, mas transmitir à sociedade — e isso inclui os criminosos — de que não haverá impunidade. Dependendo do crime, penas muito pesadas tendem gerar simpatia pelos condenados, geram um efeito oposto ao pretendido pela Justiça.

No caso de Débora, a pena sugerida pelos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino é justificável. Como explicou o ministro Cristiano Zanin, todos que contribuem para um crime devem ser punidos — o sujeito que toma conta de um refém é tão culpado quanto aqueles que o sequestraram.

Bolsonarista, defensora de um golpe militar, Débora deixou os filhos, deixou os filhos de lado e foi para Brasília aderir ao grupo que tentava derrubar o presidente Lula. Participou de manifestação diante do Quartel-General do Exército, marchou em direção à sede do poder, não recuou diante da violência provocada por seus aliados, e tratou de deixar sua marca.

Ela está longe de ser inocente, o problema é que a ideia de que será condenada a tanto tempo de prisão apenas por pichar uma estátua com batom é muito forte, transmite uma sensação de injustiça, principalmente num país que sofre tanto com a violência urbana. Débora personifica a versão de que os condenados são apenas patriotas que perderam o controle e exageraram na dose, substitui assim a imagem fake das velhinhas com bíblia na mão.

Na prática, pouco importa que ela jamais ficaria na cadeia por tanto tempo. Presa desde março de 2023, Débora, mesmo se condenada aos tais 14 anos, deverá sair do regime fechado ainda este ano. Isso, graças à progressão de regime. Como mostrou semana passada a coluna Correio Bastidores, mesmo os condenados no caso do 8 de Janeiro à pena de 17 anos e seis meses de reclusão deverão ficar trancafiados por cerca de três anos e meio.

Fatos dependem do jeito que são contados. Muitos dos que condenam a progressão de regime, que reclamam desse tipo de concessão a criminosos comuns, tratam de esquecê-la na hora de falar dos golpistas. Omitem para fortalecer seus argumentos, o que é normal em discussões.

A ênfase do STF nas penas mais duras contribui para a percepção de que a grande maioria dos que participaram da intentona de 8 de Janeiro foi condenada a penas exageradas, semelhantes às aplicadas a homicidas.

Mas como o próprio ministro Alexandre de Moraes citou, os condenados a 14 anos ou mais representam 41% dos considerados culpados (48% receberam pena de até um ano, que não gera prisão). Ao aliviar a pena de Débora, Fux faria com que ela deixasse de ser vista como vítima.

Como Dino ressaltou, muitos golpes produzem mortes apenas depois de implantados, como no caso do que houve por aqui em 1964. A virada de mesa pedida por Débora e por milhares de tantos outros manifestantes desandaria numa ditatura que, como qualquer outra, torturaria e mataria. Ao clamarem pelo golpe — eufemisticamente por eles chamados de "intervenção militar" — a cabeleireira e outros entusiastas clamavam pela morte dos que consideram inimigos. Pregavam o ódio e o assassinato em massa.

Todos os culpados — inclusive, e principalmente, os mentores da tentativa golpista — precisam ser punidos e não devem ser anistiados. Mas é necessário também evitar que o excesso de tinta na caneta que pune seja usado para escrever futuros perdões.