A leitura de pesquisas divulgadas ontem indica coincidências, como a preocupação com os preços dos alimentos, e dados que apontam para uma aparente contradição entre visões sobre governo e vida pessoal/familiar. A maioria dos ouvidos pela Quaest foi dura ao avaliar o governo; já entrevistados pelo Ipespe disseram que a vida vai bem e tende a melhorar.
Comparar pesquisas é sempre complicado, ainda mais no caso de levantamentos com objetivos que levam os entrevistados por diferentes caminhos. O relatório da Quaest indica que o levantamento foi focado na avaliação do governo federal, o que favorece o aprovo/reprovo; o do Ipespe procura medir como andam o humor e as expectativas da população. No primeiro questionário, o entrevistado é, de cara, questionado sobre Lula; o segundo come pelas beiradas, parte da vida para chegar a perspectivas em relação ao governo.
Perguntados de cara sobre o trabalho do presidente, 56% dos consultados pela Quaest deram nota vermelha para o petista, sete pontos percentuais acima do registrado em janeiro. O Ipespe começou o questionário com uma pergunta sobre o nível de satisfação com a vida e recebeu sorrisos em forma de um percentual positivo de 72%. Mesmo os mais pobres, com renda familiar de até dois salários mínimos, estavam, majoritariamente — 66% — satisfeitos.
Dos entrevistados pela Quaest, 56% cravaram que o país está indo na direção errada, contra 36% que aprovam o caminho adotado. Para a maioria, o trem vai descarrilhar, certo? Não é bem assim: os pesquisadores do outro instituto anotaram que 75% dos ouvidos pareciam embalados por um velho sucesso de Martinho da Vila, confiam que, em 2025, a vida vai melhorar. Percentual que repetiu o de dezembro e representou um avanço considerável em relação aos 62% apurados em outubro.
Perguntados pelo Ipespe sobre sentimentos em relação ao resto deste ano, 77% marcaram opções positivas (esperança, alegria, confiança); 20% optaram por itens como desconfiança, medo e tristeza.
O pessoal ouvido pela Quaest pareceu citar Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, tirou o sorriso do caminho para passar com suas dores: para 56% deles, a economia do Brasil piorou em 2024. Mesmo com números positivos do IBGE sobre pessoas ocupadas, 53% afirmaram que agora está mais difícil arrumar emprego.
O Ipespe registrou que, para 80%, a vida melhorou (41%) ou ficou na mesma (39%). Aí, porém, houve uma mudança importante; em dezembro, os percentuais eram de 46% e 34%. Os insatisfeitos, porém, continuaram sendo 19%.
Todos os entrevistados vivem no mesmo país e sob o mesmo governo, mas houve diferenças também na indicação dos nossos maiores problemas. A Quaest perguntou qual era a maior preocupação em relação ao país. Pela ordem, foram citados violência, questões sociais, economia e saúde; questionados sobre áreas que deveriam receber maior atenção do governo federal, os consultados pelo Ipespe priorizaram saúde, emprego/renda; inflação/custo de vida e educação.
Mas os números não mostraram qualquer divergência na hora em que o tema foi o aumento nos preços dos produtos: o levantamento da Quaest apontou que 88% notaram que os preços subiram nos mercados; percepção de 89% dos ouvidos pelo Ipespe — destes, 74% disseram que foram afetados, principalmente, pela inflação de alimentos e de outros produtos de abastecimento doméstico.
É bem provável que, como ocorria no governo anterior, a polarização tenha papel decisivo na avaliação de Lula, ainda mais numa pesquisa que deixa claro o objetivo de julgar o ocupante do Planalto. Mas é preciso levar em conta que os petistas e bolsonaristas mais aferrados não representam a maioria da população, que ora vai mais pra lá; outra pra cá. A reiterada reprovação do presidente serve de novo alerta para o Planalto; mas as avaliações positivas em relação à vida como ela é está indicam que o inferno não está tão quente assim.