Por: Fernando Molica

Bolsonaro joga a anistia para o Céu

Bolsonaro conseguiu apoio de pastores para ato | Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Ao transformarem nove pastores em principais responsáveis pela convocação do ato de domingo pela anistia, Jair Bolsonaro e o PL demonstraram força entre os evangélicos, mas fragilidade no universo político-partidário. Com o projeto encalhado na Câmara, jogaram para as igrejas a responsabilidade de encher a Avenida Paulista.

Apresentada pelo líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), a lista dos deputados que querem urgência para a votação da anistia revela que o tema não gera entusiasmo por lá. Tem 156 assinaturas: só o PL tem 92 deputados — para levar o tema logo para o plenário seria necessário o apoio de 257 integrantes da Casa. 

O clamor e a capacidade de mobilização dos líderes religiosos devem ser suficientes para botar muita gente na manifestação, mas não para convencer deputados e senadores de que há um clamor nacional pela anistia aos que tentaram dar um golpe de Estado. Em meados de março, pesquisa do PoderData revelou que 51% dos brasileiros eram contra o benefício; 37%, a favor.

Bolsonaro perdeu por pouco a eleição em 2022, tem muitos simpatizantes, a direita e a extrema direita mostraram força nas eleições municipais, Lula é rejeitado por boa parte da população.

Mas cidadãos que preferem políticos conservadores e rejeitam o PT não são, necessariamente, apoiadores de atos de vandalismo com o do 8 de Janeiro, e nem de golpe de Estado. Pesquisa Quaest divulgada ontem revelou que, entre a população, 12% se consideram bolsonaristas — é muita gente, mas isso está longe de ser a maioria (19% se declararam petistas).

A parada será decidida pelos partidos do Centrão, integrado por parlamentares de viés conservador, mas que jamais sacrificariam seus interesses por questões ideológicas. A eleição de 2026 ainda está muito longe e voto favorável à anistia tenderia a representar o rompimento com um governo que ainda tem um ano e oito meses pela frente.

É muito tempo, e esses partidos não gostam de ficar na oposição, têm cargos e emendas a zelar. Dão uns passos para um lado e para o outro, mas mantêm firme o compromisso com o poder, independentemente de quem o ocupe.

Ainda que atentos às ruas, parlamentares sabem muito se mover no pântano da política. São capazes de caminhar sobre águas revoltas; como na velha imagem, trocam as meias sem tirar os sapatos, mas não brigam com os fatos.

Embarcaram no impeachment porque perceberam que a situação de Dilma Rousseff era bem complicada e que os ventos haviam mudado. A popularidade de Lula está no vermelho, mas sua situação é diferente (a mesma Quaest mostrou que ele é o favorito para 2026). Como diz um ex-parlamentar, profundo conhecedor do Congresso: em caso de morte, o Centrão vai no velório e acompanha o enterro, mas não pula na cova.

Fiel ao seu compromisso com a própria carreira e assustado com a possibilidade de ser condenado e preso, Bolsonaro tem usado toda sua energia em prol de uma única causa, a anistia.

Passa ao largo de temas de interesse nacional e não abre qualquer espaço para aliados, outro dia relativizou o talento de um de seus principais aliados, o governador Tarcísio de Freitas.

Como sempre fez, morre de medo de concorrência e de traições. Seu comportamento dificulta alianças e acordos: políticos trabalham com a expectativa de poder, têm seus próprios interesses, querem ir pro palco, não se conformam em ficar batendo palmas da plateia.

Ao dar dimensão religiosa a uma causa que trata dos seus próprios interesses, Bolsonaro parece esquecer que a política é um jogo coletivo, em que todo mundo quer marcar seus próprios gols. Artilheiro fominha, o ex-presidente se arrisca a ficar sem receber bolas.