Ao pesar a mão em algumas penas aplicadas no caso do 8 de Janeiro, o Supremo Tribunal Federal abriu caminho para a vitimização de condenados, para o questionamento de sentenças e, no fim das contas, para a anistia.
Agora, precisa dar um jeito de equilbrar a necessária punição com a necessidade de barrar a campanha que prega a impunidade, minimiza a gravidade do que houve, abre a porteira para livrar os líderes da conspiração e estimula novas aventuras.
Como o STF também foi vítima da intentona, ministros mostraram dificuldade para separar a repulsa aos golpistas do equilíbrio em decisões. Não levaram em conta todas as possíveis consequências de atos de uma corte que tem um evidente viés político, a começar pelo processo de nomeação de seus membros.
Nos últimos anos, o STF mostrou que pesou questões políticas em decisões: foi assim em suas idas e vindas em relação à Lava Jato, ao determinar arquivamento de investigações e até destruição de provas, ao negar o direito da revisão da vida toda a aposentados.
Mas, no caso do 8 de Janeiro, o STF preferiu jogar pesado. Abraçou, por exemplo, a tese do crime multitudinário em detrimento da individualização de penas.
É justo condenar os que invadiram as sedes de poderes, aquelas pessoas, como repetiram o tempo todo, pregavam o golpe, que chamavam de intervenção militar, ficaram por lá mesmo depois do quebra-quebra. Mas nada impede, porém, que o sujeito que quebrou o relógio do século XVII tenha uma pena mais dura que a de outros.
Os acordos de não persecução penal ficaram praticamente restritos aos que participaram de manifestações golpistas diante do Quartel General do Exército. O pipoqueiro e o vendedor de sorvetes citados por Jair Bolsonaro não foram condenados à pena de um ano por exercerem seus ofícios em meio à multidão, mas por participarem do acampamento diante do QG; participaram de uma organização criminosa, incitaram a animosidade das Forças Armadas.
Mas por que não prender e punir outros que fizeram o mesmo que eles? No dia seguinte à posse de Lula, o ministro da Defesa, José Múcio, classificou os atos que pediam golpe de "manifestação da democracia", contou que amigos e parentes participavam de manifestações semelhantes. Esses seus amigos e parentes foram investigados, denunciados, condenados?
O governo tolerou as concentrações golpistas diante de áreas de segurança, diante de quartéis, até 08/01. E por que não punir os comandantes militares que autorizaram e/ou estimularam os atos? Por que o Ministério Público e a Justiça foram coniventes com tudo aquilo? Gerado por evidentes razões políticas, o imobilismo anterior à intentona não pode ser compensado pelo excesso de peso em decisões judiciais.
Por ocorrerem na última instância, os julgamentos do 8 de Janeiro dão menos margem a revisões. É preciso, então, que o STF encontre um caminho que garanta o fundamental: sentenças equilibradas, que mesmo assim sirvam de marco histórico, de referencial. Vale ver com cuidado pedidos de revisão de penas — estas, devem ser mais pesadas para os que articularam todo aquele caos.
De cara, o STF precisa rever algumas prisões preventivas. A cabeleireira Débora dos Santos cometeu gestos capazes de gerar condenação ao aderir à mobilização golpista, mas não fazia sentido ser mantida presa antes de julgamento, ela não oferecia perigo à ordem pública. Deve haver outros casos parecidos.
Alguns dos condenados às penas mais pesadas estão perto de começarem a se beneficiar da progressão de regime, que chega a beneficiar quem já cumpriu 16% da pena. Nesses casos, basta apenas cumprir a lei e não deixar que o fígado seja mais importante que o cérebro na hora de definir punições.