Ao transformarem a possibilidade de terceirização de atividades de uma empresa em liberdade de pejotização, decisões do Supremo Tribunal Federal ameaçam acabar com garantias trabalhistas como férias, décimo terceiro salário e garantia de emprego à gestante - empresas, afinal, não engravidam.
A pedalada esvazia a Justiça do Trabalho, compromete a arrecadação da Receita Federal, o financiamento da Previdência e o Sistema S - entidades como Sesc, Senai, Sesi e Senac são sustentadas com o repasse de percentuais cobrados das folhas de pagamentos das empresas.
Como frisou o procurador do Ministério Público do Trabalho Cássio Casagrande em declaração ao Correio Bastidores: "Quem é que vai contratar pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), assinar carteira, se o STF permite pejotizar tudo?"
O sinal de que decisões isoladas - embora frequentes - do STF tendem a se transformar em norma foi reiterado esta semana pelo ministro Gilmar Mendes ao determinar a suspensão de todos os processos que citam fraude na relação de trabalho e requerem vínculo formal com ex-empregadores. Entre o início do ano passado e fevereiro de 2025, a Justiça do Trabalho recebeu quase 240 mil ações que pedem o reconhecimento desta relação.
A reforma trabalhista de 2017 passou a admitir a possibilidade ampla de terceirização. Mas a lei exige o cumprimento de garantias trabalhistas, a empresa contratada para fornecer mão de obra precisa assinar a carteira de seus empregados.
Não prevista pela lei, a pejotização é quando, para evitar pagamentos de direitos previstos pela CLT, empresas contratam o trabalhador como pessoa jurídica, não como física. O processo de pejotização explodiu com a criação do MEI, microempreendedor individual.
Concebido para permitir a formalização de profissionais como diaristas e ambulantes, o mecanismo passou a ser utilizado para substituir a contratação sem assinatura de carteira de trabalho. Os profissionais registrados como MEIs podem receber até R$ 81 mil anualmente, R$ 6.750,00 mensais, valor muito acima da média salarial brasileira.
De um modo geral, os MEIs contribuem para o INSS com de 5% do salário mínimo - o empregador não precisa pagar nada. Como apontou ao STF a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a pejotização compromete a arrecadação necessária para o pagamento de aposentadorias e pensões.
Também professor de direito constitucional, Casagrande classifica de "aberração jurídica" equiparar terceirização à pejotização. Ele acaba de lançar, com o também procurador do Trabalho e professor universitário Rodrigo Carelli o livro "A suprema corte contra os trabalhadores". Eles acusam o STF de destruir o direito do trabalho para "proteger as grandes corporações".
Ao justificar sua decisão de paralisar os processos, Mendes acusou a Justiça do Trabalho de, reiteradamente, recusar-se a aplicar a orientação do STF sobre o tema. Segundo ele, as ações que chegam à corte tratam da "liberdade de organização produtiva". A suspensão vai valer até que o próprio Supremo defina uma norma sobre o tema.
As sucessivas determinações do STF sobre pejotização criaram um conflito institucional com a Justiça do Trabalho, que, pela Constituição, tem o dever de processar e julgar, "ações oriundas da relação de trabalho". Atropelam também a CLT, que classifica de nulos de pleno direito "os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar" a aplicação dos preceitos legais.
A pretexto de interpretar a Constituição e de garantir o exercício da liberdade econômica, o STF, mais uma vez, vai além de suas funções e atua como legislador. Neste caso, não pode alegar que atuou para cobrir uma omissão do Legislativo, a CLT existe há quase 82 anos, nesse período foi reformada diversas vezes para se adequar à realidade. Mas, até agora, ninguém tinha avançado tanto na direção de transformá-la em algo inútil, em desconsolidá-la.