Por: Fernando Molica

Caso Bruno Henrique reforça roubalheira nas apostas

Bruno Henrique é suspeito de fraude em apostas | Foto: Marcelo Cortes / CRF

O escândalo que envolve Bruno Henrique vai muito além do futebol, reforça algo que apostadores fingem não ver: é impossível pressupor honestidade no ramo da jogatina. Isso vale para apostas em eventos esportivos e também para as que dependem de supostos resultados aleatórios. 

Se já é complicado confiar em cassinos físicos, imagine o tamanho da inocência de quem acredita nos sorteios feitos por bets sediadas sabe-se lá onde. Um mecanismo cruel que conta com a conivência de parcelas importantes do empresariado e da política, que, assim, tornam-se sócios de algo que gera tantos problemas.

O caso do jogador do Flamengo é apenas mais um. Chama a atenção por envolver atleta de um dos maiores times do país, alguém que, entre salários e outros ganhos, recebe cerca de R$ 1,8 milhão por mês. Mas ele não é o único que, ao que tudo indica, cometeu esse crime. 

A forma de apostas desenvolvida pelas bets permite uma espécie de pecado venial, o jogador não precisa fazer gol contra, meter a mão na bola dentro da área, forçar uma expulsão. Basta tomar um cartão amarelo, provocar determinado número de laterais ou de escanteios.

O problema é tudo isso lesa não apenas as grandes casas que bancam o jogo, mas também os apostadores. O dinheiro arrecadado pelos desonestos deixa de ser pago a quem confiou que tudo sairia nos conformes.

Relatos de apostadores que se tornaram adictos nesse tipo de droga — em particular, de jogos que, em tese, dependem apenas da sorte — vão na mesma na linha. No início, o sujeito joga um valor irrisório em armadilhas como a do Tigrão, e ganha umas merrecas.

Aposta de novo, e pimba, garante mais uns trocados. E e assim vai entrando na boca do bicho, até receber a primeira grande mordida. Depois, entre chateado e arrependido, trata de jogar mais e mais para tentar o impossível, recuperar o que perdeu.

Seria até difícil acreditar que jogadores da Série A do Brasileiro, profissionais que estão em situação privilegiada em suas carreiras, seriam desonestos a ponto de manipular resultados de jogos. Mas, a julgar pelas evidências apuradas pela Polícia Federal, foi o que aconteceu.

O atleta aparentemente participou de uma jogada que permitiria a alguns parentes terem um lucro equivalente a menos de 1% do que ele recebe por mês. Não é razoável que alguém que recebe valores tão expressivos — tudo fruto do seu trabalho, vale frisar — seja tão irresponsável e pouco inteligente a esse ponto.

Caso seja confirmado, o crime reforça a lógica narcísica que impera no país; não basta ser cada um por si, é preciso ser contra os outros, trabalhar para impedir qualquer ganho coletivo. A riqueza e a salvação são vistas como benesses privadas que precisam ser alcançadas custe o que custar.

Nossos jogadores de futebol não são ETs, não vêm de outros planetas, mas daqui mesmo, do Brasil. Carregam com eles marcas cada vez mais acentuadas de um individualismo radical, que chega a rejeitar soluções mais abrangentes e solidárias. Talvez não seja exagero dizer que a seleção brasileira deixou de ser um grupo, virou uma reunião de sujeitos que atuam principalmente por si, algo que se reflexe na pouca identificação com um time outrora adorado.

Bruno Henrique, ao que parece, tratou de jogar para os outros os problemas financeiros de seus parentes. É um direito dele não querer ajudar familiares que não conseguiram superar as dificuldades impostas aos mais pobres, o problema é lançar essa bola errática para os outros.

Não se trata de defender as bets, empresas que sequer deveriam existir. A questão é outra, tem a ver com honestidade, com um compromisso básico com o trabalho que ele exerce, com o fato de ser ídolo de tantas pessoas. Pior é que, no fim das contas, se tudo for mesmo comprovado, Bruno Henrique servirá de exemplo, mas do que não deve ser feito.