Entre 2016 — quando, em tese, começou a roubalheira que estourou na quarta — e 2025, o INSS teve dez presidentes, ficou sob a responsabilidade de nove ministros e de, pelo menos, três presidentes da República. Nesses nove anos, e apesar de todas as queixas e processos judiciais, os desvios só aumentaram.
A impunidade, a conivência e, quiçá, a cumplicidade ficam ainda mais evidentes diante da evidência dos malfeitos e da simplicidade de sua operação. Seria fácil acabar com farra das entidades que falsificavam ou mascaravam autorizações para desviar parte de aposentadorias e pensões.
Não se tratava de esquema sofisticado, não havia Setor de Operações Estruturadas como na Odebrecht, contas no exterior, dinheiro em jatinhos, triangulação de recursos saídos de emendas parlamentares. As tais entidades, entre elas, sindicais, mandavam para o INSS listas de beneficiários que, em tese, haviam autorizado descontos em seus vencimentos.
E o INSS aceitava tudo sem fazer questionamentos, sem exigir comprovação de que aquelas milhões de pessoas achavam muito legal abrir mão de uma parcela de seus benefícios para entidades de nomes e finalidades pra lá de suspeitos, como União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos, Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos e União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos.
Segundo apuração do Tribunal de Contas da União, muitos dos fraudadores conseguiram dados de segurados ao intermediarem a concessão de empréstimos consignados, uma negociação permitida pelo INSS com entidades que assinaram Acordo de Cooperação Técnica. Como mostrou ontem a coluna Correio Bastidores, o levantamento revelou que coincidências entre concessões de empréstimos com o início de cobrança de mensalidades por essas entidades.
A safadeza não era desconhecida. Como atestararam acórdãos do TCU, apenas quatro dessas associações foram alvo de duas mil reclamações no site Reclame Aqui entre entre fevereiro de 2021 e fevereiro de 2024.
Não basta processar e prender os pilantras que, ao longo de todo esse tempo, roubaram dinheiro dos beneficiários da Previdência. Será necessário também investigar e punir as autoridades que, por leniência ou cumplicidade, não tomaram as medidas necessárias para interromper a sangria de recursos. É lícito imaginar que os esquemas não foram interrompidos porque também beneficiavam agentes públicos.
Os bens de todos os envolvidos precisam ser imediamente sequestrados para que ajudem a financiar o ressarcimento de todos os que foram lesados por todo esse tempo.
Fundamental para assegurar a sobrevivência de dezenas de milhões de brasileiros, a Previdência Social tem falhas proporcionais ao seu tamanho. Isso envolve desde questões maiores — como a dispensa da contribuição patronal por parte de entidades consideradas beneficientes e de assistência social — até pequenos detalhes.
O não envio de extratos impressos para segurados facilita os desvios. É desumano exigir que idosos, muitos deles pobres, sem acesso a computadores ou com dificuldades com o mundo digital, sejam obrigados a entrar no site Meu Inss para conferir o pagamento de seus vencimentos.
O vazamento de dados dos segurados é uma praxe. Basta alguém se aposentar para começar a receber dezenas de ofertas de empréstimos por telefone, armadilhas muito bem estruturadas e convincentes. O acesso de tantos bandidos a essas informações é outra evidência da cumplicidade de agentes públicos.
A simplicidade do roubo tem, porém, uma vantagem: facilita a apuração e a identificação das digitais da grande maioria dos bandidos. Agora, é preciso mandar para a cadeia todos os que invadiram e depredaram as contas de aposentados e pensionistas.