A Armazém Companhia de Teatro traz de volta aos palcos "Dias Felizes", de Samuel Beckett, em uma nova montagem que examina, com ironia cortante, a frágil fronteira entre a alegria e o desespero. No clássico do teatro moderno, a condição humana se revela em sua crueldade e absurdo, mostrando como nos apegamos a pequenos rituais e memórias para enfrentar o passar do tempo. A estreia será nesta quinta-feira (3), no Espaço Armazém, a sede do grupo na Fundição Progresso, com temporada até o dia 17.
O irlandês Samuel Beckett (1906-1989) foi um dos dramaturgos mais influentes do século XX, conhecido por sua abordagem minimalista e existencialista da condição humana. Autor de "Esperando Godot" e "Fim de Jogo", ele explorou a angústia, o absurdo e a repetição como elementos centrais de sua dramaturgia. Seu teatro, frequentemente associado ao Teatro do Absurdo, desafia convenções narrativas e propõe reflexões profundas (e incômodas) sobre a passagem do tempo, a comunicação e o isolamento.
Sob a direção de Paulo de Moraes, vencedor dos prêmios APTR e Fita em 2024 por "Brás Cubas", a montagem revisita a jornada de Winnie, interpretada por Patrícia Selonk, explorando a linha ténue entre o otimismo e a resignação. Presa até a cintura e, depois, até o pescoço, Winnie encontra nos hábitos do dia a dia seu último refúgio contra a dissolução. Entre o sino implacável que marca suas horas e o sol que ofusca qualquer noção de tempo, ela se apega aos objetos guardados em sua bolsa: uma escova de dentes, um batom, um espelho e, de forma inquietante, um revólver.
Willie, seu enigmático e quase silencioso companheiro, ganha vida em diferentes apresentações por Felipe Bustamante, Isabel Pacheco e Jopa Moraes. Aqui, ele não é apenas um espectador da degradação de Winnie, mas um parceiro de cena incômodo, ora cúmplice, ora uma lembrança de que até a solidão pode ser compartilhada.
"Beckett descreveu Winnie como 'um pássaro com óleo nas penas', uma criatura feita para voar, mas condenada ao chão. Sua luta ultrapassa o pessoal e se torna coletiva. Se antes o cenário desolado da peça evocava a ameça nuclear, hoje dialoga com a paisagem ressequida do aquecimento global. A crise individual se funde à crise da humanidade - talvez, do planeta", reflete Paulo de Moraes.
Nesta montagem, o humor corrosivo de Beckett se intensifica. As repetições obsessivas de Winnie, sua insistência em manter o otimismo diante do absurdo e o implacável avanço do tempo criam um jogo cruel e fascinante. Entre o riso e a derrocada, cada palavra dita reverbera entre a esperança e a vertigem.
SERVIÇO
DIAS FELIZES
Espaço Armazém (Fundição Progresso - Rua dos Arcos, 24, Lapa)
De 3 a 17/4, de quinta a sábado (19h30) e domingos (19h)
Ingressos: R$ 80 e R$ 40 (meia) via Sympla