Por: Déborah Gama

Abuso e exploração sexual infantil: Uma triste realidade

Brasil está em 2º lugar no ranking mundial de exploração sexual de jovens, perdendo apenas para a Tailândia | Foto: Unsplash/ Caleb Woods

Crianças e adolescentes que tiveram a infância usurpada fazem parte da deplorável realidade de violência sexual — uma epidemia global, que não está atrelada ao status econômico de uma sociedade. Para confrontar as violências, foi criado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes, para promover discussões e informações acerca do problema, juntamente com a campanha "Maio Laranja", que se estende durante o mês.

Por trás da campanha

Em 18 de maio de 1973, Araceli, de oito anos, foi sequestrada, drogada, violentada sexualmente e assassinada em Vitória, no Espírito Santo. Em 1991, os três réus acusados de matar a criança foram absolvidos e o crime permanece impune até hoje.

A partir da mobilização de entidades, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes adotou 18 de maio, diante do assassinato de Araceli. Em 2000, a Lei Federal 9.970/2000 oficializou a data em todo o território brasileiro.

E como símbolo da campanha, foi escolhida uma flor de cor laranja, como forma de recordação dos desenhos feitos na infância e lembranças da delicadeza e necessidade de cuidado e proteção.

Por mais que a campanha "Maio Laranja" tenha uma data de início e término anual, a discussão é ampla e necessita do comprometimento da sociedade como um todo para promover cada vez mais mudanças estruturais e segurança às crianças e adolescentes.

Rio registra mais de um caso de por hora

Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) e do Disque 100, foram registradas 8.836 denúncias de abuso sexual no Rio de Janeiro em 2023. Vale destacar que um ano equivale a 8.760 horas, o que implica em mais de uma ocorrência deste tipo por hora.

Deste índice, 3.540 eram crianças de até 13 anos, número que constitui o percentual de 40% dos registros de abuso sexual terem crianças como vítimas. Os dados ainda apontam que a maior incidência de violência sexual contra crianças acontece nas faixas etárias de 11 a 13 anos.

No cenário nacional, a estatística é ainda pior: Mais de quatro registros de menores de 13 anos abusados sexualmente por hora, de acordo com os dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O abuso sexual consiste em toda situação em que uma criança ou adolescente é utilizado para a gratificação sexual de outra pessoa, geralmente mais velha. O crime pode acontecer em relações intra ou extrafamiliares e pode incluir toques, carícias, sexo oral, relações com penetração e até mesmo situações nas quais não há toque físico, como assédio verbal, pornografia, voyerismo e exibicionismo.

Brasil é o 2º no ranking mundial

Além do alto número de abusos, o Brasil também apresenta um cenário deplorável acerca da exploração sexual de crianças e adolescentes. De acordo com dados do Instituto Liberta, são cerca de 500 mil vítimas por ano. O país está em 2º lugar no ranking mundial de exploração sexual de crianças e adolescentes, perdendo apenas para a Tailândia.

Os números também mostram que, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são exploradas sexualmente no Brasil. Contudo, o índice pode ser ainda maior, visto que apenas 7 em cada 100 casos são denunciados e registrados. A análise aponta que 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras.

A exploração sexual consiste em práticas recorrentes de abuso, geralmente com fins econômicos, como em casos de escravidão e turismo sexual, ou até mesmo a prostituição infantil.

Como identificar os sinais silenciosos

Devido à inocência da infância, as crianças podem não entender ou identificar um abuso sexual ao ponto de falar denunciar o assunto. Por isso, é necessário que os adultos se atentem aos sinais silenciosos de uma criança que está vivendo ou já viveu um trauma.

A psicóloga Claudia Keller aponta alguns indícios no comportamento infantil, como: Mudanças bruscas de comportamento, queda do rendimento escolar, distúrbios na eliminação de fezes e urina sem motivos médicos aparentes, distúrbio na fala, regressão em habilidades (a criança sabia fazer algo, mas passa a não conseguir fazer mais), e relatos verbais, principalmente.

Estado psicológico após o trauma

As experiências vividas na infância, enquanto o cérebro infantil ainda está sendo formado, são importantes para o crescimento e desenvolvimento de uma criança. Em casos traumáticos como um abuso sexual, os efeitos negativos de longo prazo podem acompanhar aquela criança até a idade adulta, deixando rastros significativos não apenas na área psicológica do indivíduo, mas na saúde física.

A especialista em Terapia Cognitiva-Comportamental cita alguns dos efeitos psicológicos negativos, como a depressão, ansiedade generalizada, estresse pós-traumático, déficit de atenção e hiperatividade, e transtorno de conduta. "Para lidar com o trauma da melhor forma, a psicologia desenvolve técnicas bastante eficientes que proporcionam a redução significativa desses sintomas", declara Claudia Keller.

Durante a adolescência, as consequências do abuso podem ter efeitos desadaptativos, capazes de influenciar diretamente o dia a dia dos jovens, seja no âmbito emocional, comportamental e social. A psicóloga aponta o desenvolvimento de baixa autoestima, dificuldade em falar "não" a parceiros amorosos, dificuldade em relacionamentos sexuais - o que pode desenvolver bloqueios e aversão ao sexo -, problemas de confiança, aversão ao toque, isolamento, sensação de desvalor e outras reações.

"Infelizmente muitos adolescentes associam a situação do abuso que sofreram a uma falha própria, e acabam desenvolvendo crenças limitantes de desconexão e rejeição, de subjugação excessiva ao controle dos outros, e busca de aprovação constante - suprimindo, muitas vezes, os próprios sentimentos", esclarece a especialista em Terapia Sistêmica Familiar.

A psicóloga atende e acompanha diversos casos de perto, e compartilha conteúdos focados em saúde mental no perfil profissional @claudia.keller.semblano. 

Rede de apoio familiar

As situações de abuso sexual não adoecem apenas a vítima, mas os pais e familiares como um todo, por isso o acolhimento e rede de apoio familiar são necessárias para que o trauma seja tratado da melhor forma possível.

"É necessário que os pais escutem ativamente a criança, sem pré-julgamentos, e devem buscar amenizar o sofrimento dos filhos e observar se houve alguma alteração no comportamento", explica Claudia.

A partir da desconfiança parental de que os filhos podem ter sido vítimas sexuais, os pais não devem deixá-los sem supervisão, procurando rapidamente ajuda legal e psicológica, uma vez que ambos têm protocolos eficientes para avaliar e acompanhar a situação.

"Por isso, enfatizo a importância da prevenção ao abuso. A comunicação clara entre pais e filhos sobre educação sexual adequada a cada faixa etária garante, muitas vezes, a proteção necessária para que crianças reconheçam ameaças e evitem traumas", finaliza.

Denuncie e ajude a combater o problema 

Para denunciar qualquer suspeita de violência sexual ou violação de direitos humanos, Disque 100. A ligação é gratuita e anônima. Além disso, outros números também podem ser contatados, como: Polícia Militar (190), quando a criança corre risco imediato; Samu (192), para atendimento médico urgente; Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou mulheres, de qualquer delegacia de polícia; e o Conselho tutelar, onde os conselheiros que vão até a casa denunciada, verificam o caso e, dependendo da situação, já podem chegar com apoio policial e pedir abertura de inquérito. 

Para combater ainda mais o problema, é necessário falar sobre as alarmantes estatísticas sobre abuso e exploração sexual no Brasil. A deputada federal do Rio de Janeiro, Rosangela Gomes, defende a causa dos direitos infantis e, como Secretária de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro, reforça a importância de discutir a segurança das crianças em vários ambientes. 

"É necessária a discussão do assunto em fóruns de debates, em escolas e universidades, para evitar que novos casos aconteçam, e para criar e consolidar uma rede protetora efetiva para as vítimas", aponta. 

Na busca pela mobilização e conscientização da sociedade para a importância de combater este tipo de crime, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro firmou várias parcerias, que incluem empresas de transporte público, escolas, universidades e redes comunitárias, com o objetivo de mobilizar, sensibilizar, informar e convocar toda a sociedade a participar da defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Os trabalhos de prevenção são realizados pela Coordenação de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Coordenação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Programa Empoderadas.