Por:

Vergonha dos sintomas afasta diagnóstico de doenças inflamatórias intestinais

Antônio Carlos Moraes destaca que o preconceito é a principal barreira para um diagnóstico precoce | Foto: CM

Por Redação

Maio é o mês do roxo, cor da campanha que visa alertar sobre as doenças inflamatórias intestinais (DIIs), que são crônicas e autoimunes. Estimativas apontam que um em cada mil brasileiros esteja com alguma DII, número que coloca esse grupo de enfermidades tão comum quanto a apendicite, por exemplo. O diagnóstico, no entanto, não segue a mesma rapidez. Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn (ABCD), 41% dos pacientes só são diagnosticados após um ano do início dos sintomas. O cenário é preocupante, pois as DIIs limitam a vida social e profissional da pessoa.

Em entrevista, Antônio Carlos Moraes, diretor da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) e chefe de gastroenterologia da Rede D'Or, destaca que o preconceito é a principal barreira para um diagnóstico precoce; também relata o impacto dos sintomas na vida do paciente e a necessidade de preparar as equipes de emergência para saber identificar se o paciente é um possível caso de DII.

Correio da Manhã: Qual é a razão da dessa demora no diagnóstico?

Antônio Carlos Moraes: Acredito que haja dois pontos a serem considerados. O primeiro é quanto ao preparo das equipes de emergências para saber identificar possíveis sinais de doença inflamatória intestinal. Verificamos no relatório da ABCD que levam de quatro a cinco idas na emergência, em média, para que seja cogitada a possibilidade de DII. Para um grupo de doenças tão frequente quanto a apendicite, é um número considerado elevado. Os profissionais têm que estar atentos para cogitar que os sintomas manifestados pelo paciente podem ser de DII, principalmente a diarreia crônica.Por outro lado, DIIs são doenças com sintomas limitantes e que causam vergonha em vários pacientes - chamamos de autopreconceito. Muitos não gostam de falar que estão com diarreia por ser uma condição antissocial e que os atrapalha na vida profissional e social. Então devemos focar em acabar com o autopreconceito, fazer as pessoas entenderem que é preciso expor os sintomas para um rápido diagnóstico e início do tratamento.

CM: De quais maneiras essas doenças podem afetar a vida do paciente?

ACM: Imagine um jovem de vinte anos de idade evacuar de vinte a trinta vezes ao dia, sentir frequentemente dor abdominal, cólicas intensas... São sintomas que atrapalham o paciente de forma colossal. Eles faltam a aula na universidade, consequentemente deixam de estudar, precisam faltar o trabalho, podem ter consequências financeiras, sem contar o fator social, não podem se relacionar, ter o seu lazer. E são doenças crônicas e autoimunes, ou seja, não existe cura. É preciso tratar os sintomas assim que diagnosticado para que esse paciente possa viver a vida de maneira estável.

CM: Como é o tratamento?

ACM: A base para tratamento são remédios para alívio dos sintomas, corticoides, imunossupressores ou antibióticos; além da dieta, que é chave essencial para uma melhora do quadro do paciente. As DIIs fazem a pessoa emagrecer, perder massa, então ela precisa de uma dieta própria para voltar a ganhar peso e também se adaptar ao seu problema intestinal. Em casos mais avançados da doença, a cirurgia é quase um procedimento padrão. 80% dos pacientes com DII há mais de 20 anos precisaram passar por ao menos um procedimento, que consiste na retirada de uma ou mais partes afetadas do intestino.

CM: Qual é a causa das DIIs?

ACM: Elas são uma desregulação imunológica no organismo humano. Os elementos que teoricamente deveriam proteger o nosso corpo passam a atacar as células do intestino de forma crônica, gerando um processo inflamatório que perpetua pelo resto da vida. Existem quatro teorias acerca do surgimento dessas doenças: o exposoma, ou teoria da hiperhigienização, explicando que ao passo da diminuição de doenças infectocontagiosas ocorreu o aumento das doenças autoimunes; o genoma, que as relaciona à carga genética; o imunoma, onde o corpo do indivíduo pode desenvolver um processo inflamatório a partir de um fator de agressão - como uma gastroenterite; e as alterações na microbiota, que é a flora intestinal. Elas podem surgir a partir da ocorrência de um ou mais desses processos.

CM: Como é a prevenção?

ACM: A prevenção é atrelada a hábitos saudáveis de forma geral. Uma alimentação saudável, com vegetais, legumes, frutas, carnes de boa qualidade, uma boa ingestão de fibras; diminuir a ingestão de açúcares refinados e gorduras. Também é importante evitar o tabagismo, que acaba estimulando essas inflamações.

CM: Você comentou que é preciso que as equipes de emergência cogitem que o problema do paciente possa ser uma DII. A Rede D'Or estabeleceu algum protocolo?

ACM: Na Rede D'Or nós fazemos um trabalho contínuo de preparo para as emergências que consiste, majoritariamente, em apresentar as doenças inflamatórias intestinais como possibilidade real de diagnóstico nos pacientes que apresentem os sintomas. Treinamos as equipes para, ao identificar os redflags (principais sinais e sintomas de uma doença) e, assim, fazer a conexão com as DIIs. Também trabalhamos com pediatras, que devem observar as crianças com dificuldade de crescimento, um dos possíveis sinais de doença inflamatória intestinal. Esse é um trabalho contínuo da Rede D'Or.