O Comitê Judiciário da Câmara dos Estados Unidos, equivalente à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) brasileira, aprovou, nesta quarta-feira (26), o andamento de um projeto de lei que visa impedir a entrada de autoridades estrangeiras no país que violem a Primeira Emenda da Constituição norte-americana, que garante a liberdade de expressão. Caso a proposta avance, ela poderá barrar a entrada do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ou até mesmo resultar em sua deportação.
A iniciativa foi motivada pela atuação da União Europeia (UE) no combate à desinformação e pela decisão de Moraes de suspender a rede social Rumble no Brasil, após o site ser utilizado por Allan dos Santos, blogueiro acusado de ataques à democracia e ao STF. O magistrado constatou que, mesmo com a suspensão, o blogueiro continuava criando novos perfis. Na sexta-feira (21), Moraes determinou a suspensão da plataforma de vídeos, pois a empresa não possuía representante legal no Brasil, como exige a legislação local.
Em resposta, o Rumble e o Trump Media & Technology Group, empresa ligada ao presidente dos EUA, Donald Trump, entraram com uma ação na justiça americana acusando Moraes de censura.
Sem censores
O projeto, intitulado "Sem Censores em Nosso Território", foi proposto pelo deputado republicano Darrell Issa, aliado de Trump, e agora avança para votação no plenário da Câmara, onde precisará de 218 votos favoráveis para ser aprovado. “Se um juiz brasileiro pode ordenar que empresas americanas censurem a fala de residentes nos EUA, a liberdade de expressão americana está em risco”, afirmou o comitê.
Ainda nesta quarta-feira, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil recebeu com “surpresa” a manifestação norte-americana sobre a ação judicial movida por empresas privadas americanas para se eximirem do cumprimento das decisões da Suprema Corte brasileira.
Em nota, o Itamaraty afirmou que “a manifestação do Departamento de Estado distorce o sentido das decisões do Supremo Tribunal Federal, cujos efeitos destinam-se a assegurar a aplicação, no território nacional, da legislação brasileira pertinente, inclusive a exigência da constituição de representantes legais a todas as empresas que atuam no Brasil. A liberdade de expressão, direito fundamental consagrado no sistema jurídico brasileiro, deve ser exercida, no Brasil, em consonância com os demais preceitos legais vigentes, sobretudo os de natureza criminal”.
Briga pessoal
Em entrevista ao Correio da Manhã, a advogada especialista em Direito Internacional, Hanna Gomes, avaliou que a disputa judicial parece tomar rumos pessoais, com um governo (EUA) agindo contra um particular, sem considerar que as decisões de Moraes refletem a Corte Suprema de um país soberano, cujas resoluções têm efeito apenas no âmbito interno. “As decisões que atingem pessoas físicas, jurídicas ou entidades internacionais são baseadas na legislação brasileira e devem ser analisadas pela autoridade estrangeira para cumprimento. O termo 'liberdade de expressão' é um direito, não absoluto, e deve ser interpretado conforme as leis e critérios históricos de cada país. Assim, nenhuma ordem de prisão ou questionamento ao ministro terá efeito se suas ações estiverem de acordo com a legislação brasileira. A questão é política, não legal”, explicou a advogada.
Para o cientista político Kleber Carrilho, pesquisador da Universidade de Helsinque, na Finlândia, essa disputa faz parte de uma performance de Trump e aliados “que mantêm a agenda de ataques a inimigos em todos os cantos”.
“Porém, o Estado é muito maior do que essa agenda, e há muitas formas de impedir que isso tenha um resultado prático. Embora a comissão tenha aprovado a proposta, ainda há um longo caminho até que se concretize. Isso também impediria que aliados dos EUA, principalmente de regimes autoritários como a Arábia Saudita, mantivessem seus vistos. Portanto, é difícil acreditar que isso vá além das pressões midiáticas”, concluiu Carrilho à reportagem.