Por: Rafael Lima - Jornalista

Obras emergenciais de Ricardo Nunes: um remendo caro e ineficiente para São Paulo

Antes de esbravejar contra a Enel, Ricardo Nunes precisa olhar para as suas atribuições não cumpridas. A manutenção da arborização urbana é um exemplo gritante. | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Diante do caos dos apagões e enchentes em São Paulo, a resposta dos governos tem seguido um roteiro previsível - e equivocado. Corre-se para anunciar obras emergenciais: mutirões para retirar árvores caídas, troca às pressas de postes quebrados, reconstrução apressada de pontes ou viadutos danificados, instalação de geradores temporários aqui e ali. Sem dúvida, ações emergenciais são necessárias para reestabelecer serviços e dar socorro imediato à população. O problema é quando tudo se resume a isso - e a prevenção fica sempre para depois.

Os sucessivos governos parecem insistir em gastar fortunas nesse tipo de resposta reativa, em vez de canalizar recursos para investimentos estruturais de longo prazo. Cada árvore não podada que cai custa caro: derruba a rede, deixa milhares sem luz, mobiliza bombeiros, defesa civil, equipes da concessionária e da prefeitura, prejudica o comércio e o trânsito. O custo acumulado desses danos e reparos de emergência, ano após ano, é astronômico - muito maior do que seria investir proativamente em soluções definitivas. Por exemplo, enterrar cabos ou modernizar a rede elétrica demanda grande investimento inicial, mas traz economia e confiabilidade no longo prazo, evitando apagões e despesas emergenciais recorrentes. Da mesma forma, manter um programa constante de poda preventiva de árvores e manejo da arborização urbana evita despesas gigantescas com remoção em massa de troncos caídos e reparos de urgência na rede elétrica.

É uma questão de visão e prioridade. Enxergar apenas a curto prazo leva ao ciclo vicioso do remendo: conserta-se hoje o que vai quebrar de novo amanhã. Enquanto isso, projetos de infraestrutura resiliente - que poderiam resolver ou pelo menos mitigar de vez o problema - ficam engavetados pela desculpa do "custo alto" ou pela falta de vontade política. Ora, alto custo mesmo é essa conta interminável das emergências sucessivas, sem falar no custo humano e econômico dos dias sem energia. Passou da hora dos governantes entenderem que prevenir sai mais barato (e eficiente) do que remediar.

Culpar a Enel é cortina de fumaça: a gestão municipal falha no básico

Em meio a apagões generalizados, é tentador buscar um culpado simples para a fúria da população. É compreensível que, no escuro e indignado, o cidadão mire na concessionária de energia - e que o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, faça o mesmo, bradando contra a Enel. Nos últimos episódios, vimos Nunes apontar o dedo publicamente, chegando a chamar a empresa de "inimiga de São Paulo" e atribuindo a ela toda a responsabilidade pelas quedas de luz. Essa postura, porém, cheira a desculpa: uma forma de desviar a atenção do fato de que sua própria gestão peca no básico.

Antes de esbravejar contra a Enel, a prefeitura precisa olhar para as suas atribuições não cumpridas. A manutenção da arborização urbana é um exemplo gritante. A cidade tinha uma fila enorme de árvores para serem podadas - relatos indicam que dezenas de milhares de solicitações de poda estavam pendentes quando as tempestades vieram. Árvores mal cuidadas significam risco certo para a rede elétrica aérea. De quem é a responsabilidade de cuidar das árvores nas ruas? Principalmente do poder público municipal. É dever da prefeitura zelar para que a vegetação não ofereça perigo à população nem aos fios de eletricidade, inclusive coordenando com a concessionária momentos seguros para realizar podas próximas à rede. Jogar a culpa apenas na empresa concessionária, enquanto galhos crescem descontroladamente sobre a fiação, é tapar o sol com a peneira.

Além das podas, a gestão municipal falha em planejamento urbano e modernização da infraestrutura. Os problemas das enchentes, por exemplo, são ampliados pela falta de drenagem adequada - e quando ruas viram rios, isso também afeta o sistema elétrico. Cabos subterrâneos poderiam evitar apagões mesmo quando há alagamentos, mas a expansão dessa tecnologia depende de investimentos do poder público e alinhamento junto à concessionária. Culpabilizar a empresa sem reconhecer essas omissões da prefeitura é, no mínimo, conveniente. É política de baixa qualidade. Enquanto Ricardo Nunes bate boca e transfere responsabilidade, falta-lhe apresentar um plano concreto para atualizar a rede elétrica da cidade em parceria com a Enel, ou para exigir que a renovação da concessão venha atrelada, e viável em termos financeiros, a metas de melhorias estruturais (como mais quilômetros de fiação enterrada, programas de manutenção de árvores, etc.). Em suma, falta ao prefeito, o que cobramos dos nossos filhos nos compromissos de escola, fazer o dever de casa.