Por:

'O circo veio complementar minha trajetória como ator'

Orlando Caldeira | Foto: Mavinga/Divulgação

Após dirigir mais um espetáculo de circo, que estreou em um festival internacional no sul da França, Orlando Caldeira está de volta ao Brasil. Trata-se do espetáculo "Macacada", que esteve na programação oficial da Biennale Internationale de Cirque neste fevereiro de 2025. Já atuou em novelas como "Vai na Fé" e "Verão 90" (Globo). Em 2024, ganhou o troféu de Melhor Direção no Prêmio Prio de Humor, de Fábio Porchat, pelo espetáculo "Pelada A Hora da Gaymada". Ao lado de Renato Rocha, foi um dos diretores do espetáculo "Atenção". Na entrevista abaixo, ele fala ao Correio de seus projetos atuais e futuros.

Como surgiu o convite para fazer a direção artística do projeto Transversalidades?

Orlando Caldeira - Sou formado pela Escola de Circo desde 2008, quando conheci a Up Leon. Admiro e acompanho o trabalho deles. Em 2023, assinei a codireção de um dos espetáculos da companhia, que ficou em cartaz aqui no Rio. A gente teve uma ótima relação, tudo muito prazeroso, e assim que voltei da França, recebi esse convite para desenvolver mais esse trabalho de pesquisa com eles. Aceitei na hora porque considero muito importante essa questão da pesquisa circense.

Você já tinha trabalhado com eles antes, no espetáculo "Atenção". Como foi essa experiência?

Muito boa! Aprofundei um caminho de pesquisa que venho desenvolvendo há um tempo no teatro, a mistura das duas linguagens. No 'Atenção', trouxe muito a teatralidade - o circo é muito teatral, mas às vezes o circense fica muito preso à execução da técnica e se "esquece" do artístico. E, naquele espetáculo, eu pude trabalhar muito a questão do artístico junto com a técnica, que é o melhor dos mundos e rendeu uma experiência incrível. Tanto que dois artistas circenses do 'Atenção' eu acabei levando para o 'Pelada' e depois fizeram novela.

E como o circo entrou na sua vida? Foi antes ou depois do teatro? E o teatro?

O circo chegou na minha vida quando eu estava ensaiando um espetáculo de teatro há quase 20 anos, e precisava de habilidades circenses para atuar. A peça era inspirada na comédia de arte italiana e tinha essa coisa do Arlequim acrobático. Foi quando comecei a estudar circo, de forma aleatória. E lá a gente ouvia falar muito sobre a prova da Escola Nacional do Circo. Como eu estava gostando muito de aprender as acrobacias, encarei a prova e passei. O teatro veio antes, mas logo me dediquei às duas artes em paralelo. O circo veio para complementar a minha trajetória no teatro como ator. E nunca tive a pretensão de seguir carreira no circo como circense, embora já tenha feito algumas apresentações em circo e achado fascinante. O curioso é que, com o tempo, o meu teatro começou a servir ao circo. Essa troca está sendo muito interessante e a mistura tem ficado cada vez mais intensa.

Você acabou de chegar de Paris, onde dirigiu a peça "Macacada", uma produção que envolve circo, dança, teatro, instalação e audiovisual. Qual foi a recepção do público francês?

"Macacada" é um espetáculo sensacional. Foi criado pela intelectual circense Maïra de Oliveira Aggio, que conheci na Escola Nacional de Circo e a gente teve uma amizade muito boa desde então. Já fizemos outro espetáculo de teatro juntos, anos atrás, e admiro muito a trajetória da Maïra. Ela foi pra Bélgica, seguiu pra França e vem desenvolvendo uma reflexão muito interessante sobre o circo, sobre como a gente lida com o corpo circense. E, bem importante, sobre como nos relacionamos com o mundo a partir de uma perspectiva contracolonial, do poeta, filósofo e mestre quilombola Nego Bispo, que nos deixou no final de 2023. O espetáculo acabou virando uma acrobacia de ideias. Os franceses adoraram.

Planos de trazer "Macacada" ao Brasil?

Sim, mas ele foi construído para circular pela Europa. Teremos que fazer umas adaptações para trazer essa história ao público brasileiro.

O que mudou na sua vida depois de atuar em uma novela popular como "Vai na Fé"?

Já tinha feito algumas novelas na Globo, mas a 'Vai na fé' foi divisora de águas na minha carreira, assim, de entender o poder da telenovela brasileira. A autora Rosane Svartman dizia que novela fala com a nação inteira. Eu ouvia isso sem dimensionar. Ela tinha razão. Lembro que fui num casamento na aldeia indígena Pataxó da Jaqueira, no sul da Bahia, e todos sabiam o meu nome. Fiquei impressionado e entendi o poder de 'Vai na Fé', uma obra incrível em termos de projeção, de alcance, de Ibope e também incrível em termos artísticos. Foi um trabalho que me abriu muitas portas e marcou para sempre a minha vida.

Qual contribuição você espera levar ao projeto que está ssumindo de formação e pesquisa como diretor artístico e técnico?

O circo sempre esteve na vanguarda no mundo, inovando e pesquisando novas formas de se comunicar com o público através da arte. Minha contribuição é incentivar a jornada interior, para além da estética e da técnica. Assim como no teatro, a introspecção é fundamental para entender o que podemos expressar artisticamente. O circo exige muita perfeição técnica mas também é preciso aprofundar o lado artístico.

Das etapas do projeto que você vai dirigir, alguma parece trazer algum desafio extra?

Penso que não existe desafio maior ou menor: Tudo é desafio, entrega, tudo é tentativa e erro. E adoro desafios.

Teu 2024 foi intenso. Ganhou o Prêmio Prio de Humor e quase perdeu a vida num acidente de moto. Algum aprendizado?

O meu 2024 foi de muito aprendizado. Acho que ressurgi novo em 2025, dando valor aos encontros, às pessoas, ao que realmente importa. Essa é a grande lição de tudo o que vivi, entre sustos e alegrias. E que sorte viver para me comunicar com o coração das pessoas. 2024 serviu para eu me engajar mais com a minha arte.