Por: Rodrigo Fonseca |Especial para o Correio da Manhã

O imparável (e sempre premiável) Hong Sangsoo

'What Does Nature Say To You' marca a volta de Hong Sangsoo ao Festival de Berlim | Foto: Jeonwonsa Film Co

Pela nona vez em quase três décadas de carreira, o diretor sul-coreano Hong Sangsoo estará concorrendo a prêmios oficiais da Berlinale, em disputa pelo Urso de Ouro de 2025 com "What Does that Nature Say to You" (ou "Geu Jayeoni Nege Mworago Hani" em sua língua natal. Será o fecho da competição deste ano. O diretor virá ao evento - como sempre faz parecer - sem expectativas, ainda que tenha conquistado algum troféu em quase todas as suas indicações no festival alemão.

"O que vocês viram no meu filme?", disse Sangsoo no Berlinale Palast, em 2024, ao conquistar o Grande Prêmio do Júri por As Aventuras de Uma Francesa, com Isabelle Huppert, sua sazonal parceira.

Sua vitória alemã aconteceu em fevereiro. Seis meses depois, ele estava no Festival de Locarno, na Suíça, concorrendo ao Leopardo de Ouro com outro longa, "Através Do Fluxo" ("By The Stream"). Saiu de lá com outro mimo: sua companheira (de vida e de obra), a atriz e produtora Kim Min-hee, foi laureada em terras helvéticas por sua atuação. Estima-se que ela estará em Berlim com ele, para acompanhar a projeção de "What Does that Nature Say to You". É mais um trabalho feito pelo casal em esquema de guerrilha.

"Eu filmo situações do dia a dia que são simples. Não preciso de efeitos especiais. Eu mesmo opero a câmera. Só preciso de alguém para captar o som para nós. Com isso, meu orçamento é pequeno. A montagem fica por minha conta também. Nem saberia precisar quanto a gente gasta por filme, mas é pouco", disse Sangsoo ao Correio da Manhã antes das filmagens de "What Does that Nature Say to You", ao lançar "Lá Em Cima" ("Walk Up"), no Festival de San Sebastián na Espanha.

"Nem tudo o que aparece em cena precisa de uma explicação ou de uma conexão direta com a narrativa. Eu posso ser capturado pela imagem de um gato correndo, registrá-la e supor que faz sentido estético tê-la na edição de uma história que é absolutamente alheia àquele animal. Ele está ali só por fazer parte do mundo, por ter me oferecido um momento que, filmado, gera um sentido artístico".

Repleta de personagens fascinantes, esta Berlinale será apresentada nesta tarde a Donghwa, um poeta de trinta e poucos anos, que leva sua namorada, Junhee, para uma viagem de carro de Seul até a casa dos pais dela, nos arredores de Icheon. Ao notar a surpresa de seu amado com o tamanho da casa e seus jardins montanhosos, Junhee sugere que ele dê uma olhada rápida no local, mas, na entrada da garagem, eles encontram o pai da moça, que convida Donghwa para passar o dia com a família. Todos viveram uma ciranda de conversas: o patriarca; sua esposa, que também é poeta; e suas duas filhas adultas. Naquele papo regado a álcool, Donghwa se embebeda e deixa cair sua máscara de deferência, revelando um lado bem constrangedor.

"Eu não penso muito em acaso, penso em instantes e no que eles podem nos revelar", disse o realizador ao Correio, quando ganhou o Urso de Prata de Melhor Direção (das mãos do colega brasileiro de ofício Kleber Mendonça Filho, então jurado) por "A Mulher Que Fugiu", em 2020.

Aos 64 anos, Sangsoo (seu sobrenome é grafado Sang-soo ou Sang-Soo em alguns eventos) aposta num tipo de narrativa que não é capaz de agradar com unanimidade, apesar de ter entusiasmado a curadoria da Berlinale, chefiada por Tricia Tuttle. Nada desse incansável fazedor de longas-metragens é unânime. Apesar disso, é surpreendente a habilidade que Sangsoo tem de criar. Sua empresa, Jeonwonsa Film Co. Production, consegue dar conta de sua estética enxuta e de sua urgência. Sábado, o time de juradas e jurado chefiado pelo cineasta Todd Haynes (de "Segredos de um Escândalo") vai expressar o que pensou sobre a nova onda desse inquieto compatriota de Park Chan-Wook ("OldBoy") e Bong Joon Ho ("Parasita").

Houve destaque para a Coreia do Sul na Berlinale também na seara hors-concours, com a boa acolhida ao thriller "The Old Woman With The Knife" ("Pa-gwa"), de Min Kyu-dong. Sua estrela, Lee Hye-young, tem uma elegante atuação no papel da matadora Hornclaw (Hye-young). Ela se sustenta desde os anos 1970 como assassina. Na briga com faca, ninguém ganha dela. Sua vida mundana, mas sangrenta, toma um rumo inesperado quando conhece um jovem assassino cheio de gana que deseja trabalhar ao seu lado. Ela reluta e refuta, mas saca o talento do moço. Aos poucos, um incidente do passado vem à tona, num indício de que ele esconde uma sujeira da grossa.