Por: Affonso Nunes

O lundu em resgate mais do que necessário

O trio formado por José Staneck, Marina Spoladore e Ricardo Santoro apresenta composições raras dos séculos 18 e 19 | Foto: Divulgação

Com um ritmo sincopado e cadenciado de origem africana, o lundu foi um dos gêneros musicais mais apreciados no país no século 19. O que no século anterior era inicialmente uma dança de roda trazida pelas populações escravizadas trazidas da África - principalmente de Angola - acompanhada por palmas e instrumentos de percussão, o lundu foi gradualmente incorporando elementos musicais ibéricos, como a viola, e ganhou espaço tanto entre as camadas populares quanto nas elites. Pesquisadores musicais afirmam que o lundu influenciou diretamente o surgimento de gêneros como o maxixe, o choro e o samba.

Esta rica (e, infelizmente, esquecida) tradição musical é contada e tocada no espetáculo "Lundu Brasileiro", que faz sua estreia nesta sexta-feira (14) no Sesc São Gonçalo. Contemplado no Edital Sesc RJ Pulsar 2024/2025, o projeto passará por quatro cidades fluminenses, seguindo para o Sesc Tijuca (6/5), Sesc Teresópolis (25/10) e Sesc Nova Friburgo (29/11).

O espetáculo foi idealizado por Rosana Lanzelotte, musicista, pesquisadora e criadora do Musica Brasilis, portal que disponibiliza gratuitamente as partituras dos lundus apresentados. Esses conteúdos também estarão acessíveis no portal Sesc Partituras.

O programa inclui exemplos dos primeiros lundus compostos no país, além de obras de compositores influenciados pelo estilo, como Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Villa-Lobos. As peças musicais serão intercaladas por comentários que as situam em seu contexto histórico e social, a cargo dos músicos Marina Spoladore (piano), José Staneck (harmônica) e Ricardo Santoro (violoncelo).

O registro mais antigo de um lundu conhecido atualmente foi feito pelos naturalistas Spix e Von Martius durante uma expedição pelo Brasil entre 1817 e 1820. Outro destaque do programa é o "Landum das Beatas", um raro exemplo de lundu instrumental localizado por Rosana Lanzelotte na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, que será apresentado pela primeira vez no Brasil.

O espetáculo também abrange o século XIX, trazendo o lundu "Isto é bom", de Xisto Bahia, a primeira peça gravada no Brasil, em 1902, pela Casa Edison. O gênero se espalhou pelo país e influenciou compositores do Maranhão, como Leocádio Alexandrino dos Reis Rayol (1849-1909) e Antônio dos Reis Rayol (1863-1904). Ernesto Nazareth, por sua vez, iniciou sua trajetória como compositor aos 14 anos com a polca-lundu "Você bem sabe". Entre os destaques do programa está o célebre "Lundu da Marquesa de Santos", de Villa-Lobos.

Diversas atividades relacionadas ao lundu estão previstas para 2025 em celebração ao Ano Brasil-França. O espetáculo será apresentado em recitais por Rosana Lanzelotte (cravo) e Clea Galhano (flautas doces) durante a semana comemorativa da abolição da escravatura. As apresentações acontecerão na Embaixada do Brasil em Paris (13 de maio) e no Chateau D'Arcanges, na região de Bordeaux (17 de maio).

Fundado há 15 anos por Rosana Lanzelotte, o instituto Musica Brasilis tem como missão valorizar o patrimônio musical brasileiro, promovendo o resgate e a difusão de repertórios de diferentes épocas. O acervo do portal (https://musicabrasilis.org.br/) foi ampliado pelo projeto Acervo Digital de Partituras Brasileiras, que disponibiliza gratuitamente edições de cinco mil partituras de compositores brasileiros em domínio público. Até o momento, foram digitalizadas 4.934 partituras de 433 compositores de todas as regiões do Brasil. A qualidade do acervo levou o portal a ser selecionado pela Rede da Memória Virtual Brasileira, iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional, e a integrar o programa de Web Archiving da Library of Congress, nos Estados Unidos.