Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Um filme para não se esquecer

O músico vivido por Colin Firth embala o escritor interpretado por Stanley Tucci em 'Memórias de um Amor' | Foto: Divulgação MUBI

Devastador (mas apaixonante) do início ao fim, "Memórias de um Amor" ("Supernova", 2020) entra na grade da MUBI nesta sexta-feira, em pleno carnaval, carregando um histórico de consagração. No limiar do melodrama, essa love story crepuscular foi um ímã de pranto em sua passagem pela competição oficial do Festival de San Sebastián, na Espanha, em 2020.

A Europa vivia o auge da pandemia em sua primeira exibição e sua mirada afetuosa sobre parcerias caiu como um analgésico nas retinas do Velho Mundo. No boom da covid-19, a saga de dois artistas que se amaram durante anos, sem dar bola para a homofobia, e agora enfrentam um término imposto por razões biológicas soou como um convite para a plateia repensar seus quereres.

Houve choro, aplauso e críticas positivas em sua recepção por terras bascas. Apesar da arrancada calorosa, o longa-metragem de CEP britânico não teve espaço em circuito brasileiro, mesmo com as resenhas entusiasmadas recebidas durante o evento espanhol, à força de seus protagonistas.

Diretor do charmoso "Crônica de Uma Certa Nova York" (2000) e ator de muito respeito, Stanley Tucci esgrima cena após cena com Colin Firth, astro laureado com a estatueta de Hollywood em 2011, por "O Discurso do Rei". Os dois, no apogeu da maturidade cênica, esbanjam mel no papel de um casal ameaçado por uma doença que pode limar as recordações (e as células cerebrais) do personagem de Tucci.

Quem ainda não assina o www.mubi.com, agora tem uma boa justificativa pra isso. A direção é do também ator e cineasta Harry Macqueen. "Pra quem tem a experiência da interpretação, como eu, a generosidade desses dois titãs em cena é um presente: Firth e Tucci se doam na inteireza a uma história sobre erosão", disse o realziador ao Correio da Manhã em San Sebastián. "É um filme sobre o prazo de validade da saúde, do corpo, contra a permanência do querer, da parceria".

Com um tônus de delicadeza ascendente, "Memórias de um Amor" tem no silêncio apaixonado de seu casal central - o músico Sam e o escritor Tusker - seu combustível. Tucci dá a Tusker uma dimensão poética rara de se ver: cheio de si, em sua esgrima com as palavras, esse autor está diante de um diagnóstico de demência capaz de liquidar sua memória. Seu marido, Sam (melhor papel de Firth em anos) testemunha sua peleja diária com um mal terminal e suas decisões nem sempre palatáveis.

Macqueen filma os dois com doçura, sem apelar para closes invasivos, calçado na partitura melancólica do músico Keaton Henson em sua trilha sonora. Em um dado momento, fala-se "Não se chora luto de alguém que está vivo". É a deixa para se entender o quanto um abraço pode ser um abrigo e quão analgésico o efeito de mãos dadas pode ter sob as células cerebrais.

Num momento de devastar miocárdios, Tusker se propõe a ler um discurso para a família de seu companheiro. Mas prefere que o próprio Sam o leia. Na leitura, San Sebastián virou geleia e aplaudiu aquela paixão com ardor ibérico. Quem zapear o longa na Paramount, terá uma sensação semelhante.

Também no próximo dia 28, a MUBI inicia uma retrospectiva da cineasta paulista Carolina Markowicz, exibindo "Namoro À Distância", "O Órfão", "Postergados", "Edifício Tatuapé Mahal" (codirigido por Fernanda Salloum) e o premiadíssimo "Carvão", com Maeve Jinkings. A diretora é uma voz essencial da comunidade queer na luta contra a intolerância.