Avoluma-se dia após dia uma torcida pela presença de "O Agente Secreto", o novo filme de Kleber Mendonça Filho, com Wagner Moura e Maria Fernanda Cândido, no 78° Festival de Cannes, agendado de 13 a 24 de maio na França. Seria a terceira participação do diretor na briga pela Palma de Ouro, que disputou antes com "Aquarius" (2016) e com "Bacurau" (2019), que rendeu a ele e a seu codiretor, Juliano Dornelles, o Prêmio do Júri do evento. Voltou lá em 2023 com .doc "Retratos Fantasmas", na briga pelo troféu L'Oeil d'Or. Há quem especule a ida do longa-metragem para Veneza, para a disputa pelo Leão dourado, de 27 de agosto a 6 de setembro. Kleber foi jurado lá na terra das gôndolas no ano passado e premiou "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, com a láurea de Melhor Roteiro.
Enquanto não se sabe o destino de seu novo projeto, centrado nos tempos da ditadura, o realizador emplaca espaço em outra frente, a televisão aberta, e leva seu aclamado "O Som ao Redor" à grade da TV Brasil neste sábado, às 21h. Ganhador de 38 láureas internacionais, incluindo o Troféu Redentor de Melhor Filme do Festival do Rio 2012, o longa-metragem começou sua carreira em Roterdã, na Holanda, de onde saiu com o Prêmio da Crítica, que é dado pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci).
Batizado de "Neighboring Sounds" nos Estados Unidos e de "Les Bruits de Recife" nas telas francesas, "O Som ao Redor" estreou comercialmente em circuito nacional em 4 de janeiro de 2013. Seu sucesso transformou Kleber num dos mais festejados realizadores brasileiros da atualidade. Na trama de "O Som ao Redor", os moradores de um condomínio de prédios de uma área abastada da geografia recifense têm sua rotina desestruturada pela chegada de uma milícia de seguranças. Clodoaldo (Irandhir Santos) lidera o grupo de vigias, que circula entre moradores. Lá vivem tipos como o corretor João (Gustavo Jahn), recém-chegado de uma estadia no exterior, e seu avô, o coronelista Francisco (W.J. Solha). Destaque no elenco para o desempenho de Maeve Jinkings, brilhante em cena, no papel de uma chefa de família incomodada com os latidos do cão de seu vizinho. DJ Dolores assina a trilha sonora, que põe Queen para tocar numa sequência de desopilar tensões.
Thales Junqueira foi quem cuidou da arte. Pedro Sotero e Fabricio Tadeu cuidaram da direção de fotografia, que evita exotismos ao fazer sua crônica de costumes... e distorções. Exótica (se é que essa é a melhor palavra) a cena de um banho de sangue revela muito sobre nossos espectros coloniais e imperiais. É um banho numa cachoeira, na zona de um velho engenho de açúcar, onde residem fantasmas de um Brasil arcaico e dominador. Virou o set piece do longa. Set piece é o termo que designa sequências que sintetizam filmes no nosso imaginário, como o voo de E.T., de bicicleta, à luz da lua, ou a dança de Uma Thurman e John Travolta em "Pulp Fiction" (1994). Kleber escreveu e montou o filme numa edição em dupla com João Maria. O cineasta trabalhou com um orçamento de R$ 1,8 milhão, sob a finíssima produção de Emilie Lesclaux, sua companheira de trabalho e de vida.
Nas bilheterias brasileiras, o longa vendeu cerca de 100 mil entradas, chegando ao circuito com múltiplos mimos em seu currículo, como o Kikito de Melhor Direção, conquistado em Gramado, em agosto de 2012. Dali Kleber partiu para "Aquarius", com Sonia Braga, que serviu como um símbolo de resistência cinéfilo na época do Impeachment de Dilma Rousseff, há nove anos. Em sua estreia mundial, em Cannes, Kleber e sua equipe subiram as escadarias do Palais des Festivals, na Croisette, com cartazes em A-4 denunciando o golpe de estado no Brasil. O gesto ampliou o respeito europeu pelo artista e por sua obra, o que pavimentou uma estrada de consagração hoje aberta para "O Agente Secreto".