Por: Gabriela Gallo

Áudios divulgados reforçam conexão entre golpe e 8/01

Mario Fernandes está preso, acusado da conspiração para tentar o golpe | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em meio às repercussões sobre as investigações da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra 34 pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por tentativa de golpe de Estados, novos áudios e trocas de mensagens entre militares e civis trazem um novo capítulo para o caso. Durante a operação da Polícia Federal (PF), foram apreendidos 1.200 equipamentos eletrônicos, dos quais foram extraídos milhares de áudios e vídeos usados como evidência para a investigação do caso. As informações foram divulgadas no programa “Fantástico” na noite deste domingo (23).

Os conteúdos apontaram que militares de alta patente, assim como civis, instigaram a tentativa de golpe de Estado – usando da mesma estratégia de descredibilizar o processo eleitoral brasileiro e manter as manifestações nas ruas como forma de gerar um ambiente de agitação que levasse a uma intervenção militar e proporcionasse o golpe.

“A gente não sai das quatro linhas. Vai ter uma hora que a gente vai ter que sair. Ou, então, eles vão continuar dominando a gente”, disse o tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, que na época comandava o Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter). Ele é um dos nomes citados na denúncia protocolada pelo PGR, Paulo Gonet.

Vale destacar que, segundo a apuração da PF, o plano só não chegou a ser executado porque os comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, não aderiram a ele.

“Agradeçam aos nossos líderes formados naquela escola de prostitutas, E o presidente [na época, Bolsonaro] não vai embarcar sozinho, porque ele está com o decreto [da minuta do golpe] pronto, ele assina, aí ninguém vai e ele vai preso. Então, ele não vai arriscar. E bem-vindos à Venezuela”, ironizou o tenente-coronel Sérgio Ricardo Cavaliere, que também foi denunciado pela PGR, em conversa com o tenente-coronel Gustavo Gomes, após terem a certeza que o plano não seria executado.

8 de janeiro

Os materiais divulgados apontam ligação entre a tentativa de golpe e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 contra as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Além disso, evidenciam o contato direto entre os militares de alta patente com manifestantes acampados em frente aos quartéis-generais (QG) do Exército ao longo do país.

“Não adianta protestar na frente do QG do Exército, tem que ir para o Congresso. E as Forças Armadas vão agir por iniciativa de algum Poder. Porque, assim, todo mundo quer Forças Armadas. Por quê? Quer um mecanismo de pressão chamado arma”, disse o tenente-coronel Guilherme Almeida. Em outra gravação, ele ainda sugere que os manifestantes em Brasília descessem do QG em direção ao Congresso para terem vantagem numérica em comparação a atuação dos policiais militares que atuariam no dia – justamente o que foi feito nos atos.

Mas antes da depredação aos três Poderes, quando os militares envolvidos não conseguiam oferecer proteção aos civis acampados em frente aos QGs, eles recorriam ao próprio Jair Bolsonaro. O general Mario Fernandes também foi citado nos áudios e também consta na denúncia.

Além disso, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, encaminhou a Cavaliere o áudio de um suposto hacker do interior de São Paulo que estaria envolvido para desacreditar nas urnas. No áudio, o hacker cita que a ex-ministra de Direitos Humanos e atual senadora Damares Alves (Republicanos-DF) entregou o contato de uma assessora de Bolsonaro para uma familiar do hacker atuar no plano. Em reposta ao Correio da Manhã, a assessoria da senadora declarou que “a senadora Damares Alves desconhece a situação relatada e não tem como controlar quem usa o nome dela para qualquer que seja o propósito”.

Impacto

Questionado pela reportagem, o advogado criminalista Welington Arruda disse que os áudios divulgados podem impactar o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema, inclusive contra o ex-presidente da República.

“Se os áudios forem mantidos como prova e forem corroborados por outros elementos do processo, podem ser usados para demonstrar o envolvimento de Bolsonaro e fortalecer a tese da PGR sobre sua participação na tentativa de golpe. Isso aumentaria sobremaneira a base probatória para uma eventual condenação”, destacou o criminalista ao Correio da Manhã.

Arruda também não descartou que, com a gravação da situação do militares, “isso pode levar alguns dos envolvidos a buscarem acordos de delação premiada para reduzir suas penas”, tal como fez Mauro Cid. “Se mais militares delatarem diretamente Bolsonaro como peça central do plano, o processo contra ele pode ganhar ainda mais força”, completou.

Porém, o também advogado criminalista Antonio Gonçalves ponderou à reportagem que, no caso da participação de militares na tentativa de golpe de Estado, “a competência para eles é específica do Superior Tribunal Militar (STM)”. Dessa forma, “uma nova denúncia e um possível indiciamento a outros militares”, como por exemplo o tenente-coronel Gustavo Gomes, “o caso caberia ao STM”.