Por: Fernando Molica

O bye, bye, Xandão e a batalha de Itararé na Câmara

Filho de ex-presidente decidiu ficar nos Estados Unidos | Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

A fuga do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para os Estados Unidos e seu pedido de licença do mandato transformaram a briga pela Comissão de Relações Exteriores em uma nova versão da Batalha de Itararé, aquela que não aconteceu.

A própria decisão de Eduardo tem algo do espírito de Itararé — da batalha que não houve, não do ilustre jornalista e humorista Apparício Torelly (1895-1971), autoproclamado barão que resolveu abrilhantar seu inexistente título de nobreza com o nome da cidade paulista que não sediou qualquer disputa na Revolução de 1930.

Eduardo, que não foi sequer indiciado nas investigações sobre a trama golpista, alegou que foi para o exterior para evitar a apreensão de seu passaporte, um novo capítulo de uma suposta perseguição judicial sofrida por sua família e por correligionários.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, não poupa tinta de sua caneta, mas seria praticamente impossível que ele mandasse segurar o passaporte do deputado com base nas alegações de parlamentares petistas, entre eles, Lindbergh Farias (RJ), líder do partido na Câmara.

Como bem pontuou o procurador-geral da República, Paulo Gonet, em decisão divulgada após o exílio voluntário de Eduardo, os deputados não indicaram nada que pudesse caracterizar a atuação do colega como algo atentado à soberania do país. Ele exerce seu direito de espernear, mas, até agora, não surgiu nenhuma evidência de que esteja, por exemplo, tramando uma invasão norte-americana ao Brasil.

A eventual e injustificada apreensão de seu passaporte serviria apenas para reforçar argumentos da família Bolsonaro. Xandão não foge à luta, gosta de briga, mas sabe que essa atitude só fragilizaria sua imagem.

Na prática, Eduardo correu de uma batalha que, como a de Itararé, não passava de uma especulação. A menos, claro, que ele tema investigações que apontem o que ele fez ao longo da articulação para derrubar a democracia e garantir a continuidade de seu pai no poder. Ele sabe o que fez no passado recente da nossa história.

A atitude do deputado reforça a ideia do risco de fuga de denunciados pelo movimento que culminou na intentona de 8 de Janeiro. Ao escapar de quem não estava atrás dele, Eduardo abriu caminho para que o Ministério Público e a Justiça tomem atitudes mais restritivas em relação aos suspeitos que ainda conservam seus passaportes.

A encenação que culminou com a viagem também revela o excesso de importância dado por setores da sociedade — nós, jornalistas, estamos no bolo — à história da presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

Não se trata de desqualificar o cargo, é evidente que, como presidente, Eduardo teria sua voz fortalecida, falaria em nome de uma instituição, seria, talvez, mais ouvido no exterior. Mas tudo ficaria por aí. A decisão de dar bye, bye, Xandão indica que nem Eduardo acreditava no poder da cadeira.

Ao se mandar para os Estados Unidos, o deputado procura reforçar a denúncia de uma suposta ditadura do Judiciário, um conceito que revela oportunismo, principalmente vindo do integrante de uma família e de um grupo político que sabem muito bem o que ocorria quando militares mandavam e desmandavam.

Diferentemente do Barão de Itararé, os acusados pela tentativa de golpe não precisam colocar, na porta de casa ou do local de trabalho, a placa "Entre sem bater": afixada por Torelly depois de ser sequestrado e espancado por militares da Marinha, revoltados por artigos que escrevera sobre a Revolta da Chibata.

Provocador, destemido, dono se um senso de humor ferino, o Barão de Itararé não corria das batalhas. E adoraria tecer comentários sobre preces dirigidas a pneus e orações à porta de quartéis. Na ausência dele, vale ao menos lembrar, em homenagem a esses tempos tão caricaturais, uma de suas frases mais famosas: "De onde menos se espera, daí é que não sai nada."