"O pessoal do DER tá vendendo (a licença)", afirma um comerciante achacado pelo esquema de corrupção que havia no DER-DF, e que revela uma poderosa engrenagem na concessão de quiosques ao longo de quase 2 mil km de rodovias no DF. Novos fatos vão além da farra das autorizações irregulares de painéis publicitários, principalmente os de LED, como vinha sendo revelado por "Brasilianas" desde junho do ano passado
O afastamento de cinco servidores do Departamento de Estradas de Rodagem do DF (DER-DF), determinada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), é a primeira consequência da "Operação Faixa de Domínio", deflagrada na manhã desta quarta-feira (26) em conjunto pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do DF, que investiga uma série de suspeitas que envolvem servidores da autarquia e mesmo empresários. As denúncias em apuração vão desde autorizações irregulares para instalação de quiosques e de painéis publicitários, até achaque entre empresários, uns contra outros, com conivência dos servidores públicos. Tudo em troca de propina.
Tanto a Polícia Civil quanto o Ministério Público têm em seu poder um conjunto de documentos e mesmo áudios, em que é narrado o "modus operandi" do grupo. O Correio da Manhã obteve um desses áudios. Nele, é possível ouvir uma série de nomes de empresários de vários segmentos do comércio varejista, do ramo imobiliário, de corretores de imóveis e de servidores públicos do DER-DF envolvidos no esquema.
Há narrativas sobre valores envolvidos nas transações de liberação de quiosques, como de R$ 80 mil - para que fossem permitidos em áreas irregulares ou mesmo não previstas na legislação das Faixas de Domínio.
Para ajudar o leitor: faixa de domínio é a área pública que abrange a pista para os veículos e os espaços laterais de uma rodovia. É um bem público que serve para a implantação da rodovia e para garantir a segurança do trânsito. No DF, ela tem largura média de 200 metros, para cada lado da pista.
No áudio, o comerciante conta que vem recebendo pressão de outros empresários para ceder o seu quiosque para outro empresário, que tem mais dinheiro e acesso à cúpula do DER. São citados nomes. Ele também narra como é feita a distribuição dos quiosques para os permissionários - muitas vezes, em nomes de laranjas ou de parentes dos empresários que já têm empresas consolidadas (indústrias e imobiliárias), em detrimento dos pequenos empreendedores.
Entre as dificuldades impostas aos pequenos, está a padronização desses quiosques utilizando métodos de construção considerados caros (e impagáveis)
Painéis de LED
A coluna "Brasilianas", da edição DF, e o "Correio da Manhã" vêm desde junho do ano passado tratando do abuso nas autorizações para a instalação de painéis publicitários pela cidade, que provoca poluição visual e chega a atrapalhar motoristas. O problema é tamanho que foi objeto até mesmo de uma Ação Popular, que ainda está sendo julgada no Tribunal de Justiça do DF.
Em julho de 2024, a Justiça do Distrito Federal determinou (por liminar) o desligamento provisório desses painéis de LED instalados em vias do DF sob jurisdição do DER-DF. A decisão foi da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do TJDFT.
As empresas (e o DER-DF) recorreram e a liminar foi cassada. Essa decisão está na fase de novos recursos no próprio TJDFT e deve seguir para análise do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Além dessa Ação Popular, também há investigações paralelas sobre esses abusos no Ministério Público e, agora, na Polícia Civil.
Metrópoles lidera a farra
A farra dos painéis publicitários tem seu ápice a partir de 2022, com a proliferação de totens de LED, que passaram a infestar todo o DF. A maioria deles, de propriedade da Metrópoles Digital Ltda., do grupo que edita o site "Metrópoles" e que pertence à família do ex-senador Luiz Estevão.
Num último levantamento feito pelo próprio DER-DF, o Metrópoles Digital respondia por 55% dos 370 totens de LED que estavam instalados naquele momento (outubro do ano passado).
O Ministério Público do DF detém documentos com uma denúncia em que o Metrópoles Digital também é citado como responsável por uma decisão do DER-DF que "tomou" de um empresário a concessão de um ponto para a instalação de um tóten de LED e o repassou para a empresa do ex-senador. O ponto em questão é onde está instalado o gigantesco painel de LED na subida da Ponte JK, em direção aos condomínios do Jardim Botânico.
E nem mesmo uma determinação do GDF - em forma de Ordem de Serviço do DER-DF - vinha sendo respeitada pelo grupo da própria autarquia. A coluna "Brasilianas" obteve um documento em que a autorização para a instalação de um desses painéis de LED, na Estrada-Parque Taguatinga (EPTG), tem assinatura digital com a data de 10 de fevereiro deste ano, com precisão do horário em que foi feita: às 15h54.
Oficialmente, as autorizações para implantar placas de engenhos de publicidade (nas faixas de domínio) estão suspensas desde o dia 17 de outubro de 2023. Essa categoria inclui outdoors, frontlights, backlights, totens, relógios de propaganda, lixeiras e painéis de LED.
Apesar dessa restrição, o Metrópoles Digital conseguiu driblar essa regra indicando que os totens de LED da empresa não são engenhos de publicidade, mas equipamentos públicos. Assim, se equiparam a bancos de praça, parquinhos infantis e lixeiras. Assim, podem ser instalados nos canteiros centrais das rodovias e mesmo a poucos centímetros das pistas, num flagrante desrespeito à legislação de trânsito, pois a luminosidade provoca distrações e distúrbios nos motoristas. Todas as autorizações para o Metropoles Digital têm a assinatura do então superintendente de Operações do DER-DF, Murilo de Melo Santos.
Agora, após nova restrição para a instalação de totens em áreas faixas de domínio, o Metrópoles Digital decidiu inovar: instala seus painéis de LED dentro de lotes particulares, bem próximos às vias e rodovias, burlando a fiscalização. Existem desses totens junto à Ponte JK e na L2-Sul, por exemplo.
DER-DF é aliado
Quando questionado pelo Ministério Público e pela Justiça, ano passado, para a instrução da Ação Popular, o DER-DF se aliou ao Metrópoles Digital e a outras quatro outras empresas listadas como réus na ação e, de forma coordenada com o site de notícias da empresa, contestou a ação judicial.
A prática que está sendo investigada agora - a de servidores do DER-DF trabalharem junto com as empresas de publicidade, ou a favor delas -, teve um episódio recente, que envolveu diretamente a coluna "Brasilianas".
A coluna enviou (por e-mail) um questionamento à Assessoria de Imprensa do DER-DF sobre a instalação de um determinado painel de LED que estava sendo montado em local inicialmente não permitido. A pergunta foi feita somente à Ascom do DER-DF, e a mais ninguém (até porque quase nada se sabia sobre o caso e "Brasilianas" desconhecia o nome da empresa responsável pelo totem).
Mas, em menos de 24 horas, o empresário responsável pelo painel de LED procurou "espontaneamente" a direção do jornal para apresentar uma série de documentos e, assim, contestar o questionamento que havia sido feito por "Brasilianas". Se disse regular e autorizado.
Ora, se "Brasilianas" não falou previamente com o empresário (porque sequer sabia quem era) e com absolutamente ninguém além da Ascom do DER-DF (e por e-mail), só resta uma alternativa: foi o próprio DER-DF que informou ao empresário.
A operação
A operação foi conduzida pela Delegacia de Repressão à Corrupção, vinculada ao Departamento de Combate a Corrupção e ao Crime Organizado (DRCOR/Decor), com o apoio do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por intermédio das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep/MPDFT) e de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb).
A operação da Polícia Civil tem por objetivo apurar a prática de crimes contra a administração pública por parte de servidores ocupantes de cargos de direção na Superintendência de Operações – Suoper do DER-DF, responsáveis pelo licenciamento e pela fiscalização das ocupações nas faixas de domínio das rodovias do Sistema Rodoviário do Distrito Federal.
Segundo nota da própria Polícia Civil, as diligências realizadas apontam para a existência de um grupo criminoso com atuação na Suoper/DER visando beneficiar empresas, destacadamente as vinculadas ao Sindicato das Empresas de Publicidade Exterior do Distrito Federal (Sepex/DF), fornecendo atendimento privilegiado na autorização de instalação dos engenhos publicitários nas faixas de domínio do Distrito Federal, autorizando instalação de quiosques e painéis de iluminação de forma irregular, bem como retirando autuações e notificações de forma indevida no sistema Sider.
"Os levantamentos realizados apontam que a teia criminosa está enraizada nos cargos de gestão da Superintendência de Operações do DER, inclusive se valendo do poder hierárquico para retaliar funcionários que não concordam com as diretrizes da chefia que aparentemente direcionam as pessoas jurídicas a serem fiscalizadas e quais aspectos devem ser avaliados nas fiscalizações dos empreendimentos das empresas em tese vinculadas ao esquema", afirma a
nota.
Buscas
Os nove mandatos de busca e apreensão que basearam a operação policial de ontem foram cumpridos nas regiões administrativas de Sobradinho, Planaltina, Águas Claras, Samambaia e Taguatinga, nas casas dos servidores públicos investigados e na sede da Superintendência de Operações (Suoper-DER), que fica no Parque Rodoviário do DER-DF, localizado próximo ao Posto Colorado, às margens da BR-020, próximo a Sobradinho.
"As buscas têm como objetivo a consolidação e robustecimento dos elementos probatórios já coligidos para conclusão do inquérito em andamento, visando arrecadar maiores elementos de prova, hábeis a reforçar os indícios já presentes no Inquérito Policial e direcionar à continuidade das investigações, além de observar o possível envolvimento de outras pessoas e empresas beneficiadas", afirma a nota da Polícia Civil.
Na sede do DER-DF, localizada próxima ao Palácio do Buriti, a "Operação Faixa de Domínio" buscou dados nos sistemas de informática da autarquia, porque ele têm redundância e pode deixar rastros. Os peritos apreenderam computadores e documentos.