Após solicitação da Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou o inquérito que investigava o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por suposta falsificação de certificado de vacina contra a covid-19. A medida foi anunciada na sexta-feira (28) em texto publicado pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, alegou "ausência de elementos que justifiquem a responsabilização” do ex-presidente no caso. Isso porque as únicas acusações contra Bolsonaro vinham da delação premiada do seu ex-ajudante de Ordens, o tenente-coronel Mauro Cid. A delação é somente um meio de obtenção de provas. Ou seja, o que nela é dito precisa ser depois corroborado por novas provas na investigação. No caso, isso, segundo Gonet, não teria acontecido.
“O art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/2013, contudo, proíbe o recebimento de denúncia que se fundamente ‘apenas nas declarações do colaborador’; daí a jurisprudência da Corte exigir que a informação do colaborador seja ratificada por outras provas, a fim de que a denúncia seja apresentada”, ressaltou o ministro do STF.
Fraude
Há um ano a Polícia Federal (PF) indiciou Jair Bolsonaro, Mauro Cid e outras 15 pessoas por participarem de um esquema de fraude no cartão de vacinação contra o coronavírus. De acordo com as autoridades, ex-presidente teria supostamente falsificado seu cartão de vacinação contra o coronavírus e o cartão de sua filha, Laura Bolsonaro, para viajar aos Estados Unidos em 2021. A ideia seria facilitar a entrada e a saída nos Estados Unidos, burlando exigências sanitárias impostas naquela ocasião por conta da pandemia.
Em sua delação Cid declarou que inseriu os dados falsos no sistema de vacinação do Sistema Único de Saúde (SUS) por ordens do ex-presidente. A Controladoria-Geral da União (CGU) confirmou que há um registro de imunização contra a covid-19 no certificado do ex-presidente. Contudo, não há comprovação nem da ordem dada por Bolsonaro nem do uso do cartão falsificado. Sobre a ordem, havia somente a palavra de Mauro Cid contra a de Bolsonaro. E, como ainda era presidente da República quando foi para os EUA depois da derrota na eleição presidencial de 2022, Bolsonaro não precisou apresentar o cartão de vacinação – ele não era exigido de autoridades. No caso de Laura, ela teria comorbidades que a impediriam de tomar a vacina.
Vale destacar que a decisão de arquivar o inquérito contra Bolsonaro não anula a delação de Mauro Cid, mas sim o envolvimento de Jair Bolsonaro e do deputado Gutemberg Reis (MDB-RJ), que também era alvo do inquérito, mas, tal como o ex-presidente, só há provas do seu envolvimento além das declarações do ex-ajudante de Ordens.
Tentativa de golpe
Segundo o procurador-geral da República, o arquivamento do processo de falsificação de cartão de vacina não diz respeito ao inquérito do plano de tentativa de golpe de Estado. “A situação destes autos difere substancialmente da estampada na PET 12100 [tentativa de golpe], em que provas convincentes autônomas foram produzidas pela Polícia Federal, em confirmação dos relatos do colaborador. Essa circunstância impede a denúncia neste momento”, disse Gonet.
A decisão de arquivar o inquérito do cartão de vacinação, gerou questionamentos quanto a se poderia vir a enfraquecer toda a delação de Mauro Cid, também no que ela diz respeito à acusação de tentativa de golpe. Ao Correio da Manhã, o advogado criminalista Welington Arruda avalia que o arquivamento não deve ser interpretado como um enfraquecimento automático das investigações que tratam da tentativa de golpe de Estado porque “são casos distintos, com núcleos probatórios e consequências jurídicas independentes”.
“O inquérito dos cartões de vacinação apura a suposta falsificação de dados sanitários, que embora grave, não se conecta diretamente ao núcleo central do processo sobre a tentativa de subversão da ordem democrática. O arquivamento por ausência de justa causa — isto é, por falta de provas suficientes para acusar — reflete o princípio constitucional da presunção de inocência e o dever do Ministério Público de não oferecer denúncia quando inexistem elementos robustos. Já o caso da tentativa de golpe de Estado está sendo instruído com base em elementos de outra natureza: reuniões estratégicas, mensagens interceptadas, articulações militares e possíveis crimes contra o Estado Democrático de Direito”, explicou Arruda. Ou seja, no caso da tentativa de golpe, a investigação encontrou diversas provas que corroboram o que declarou Mauro Cid.
Na mesma linha, considera o professor de Direito Penal Rafael. “A justificativa do PGR foi a de que as delações de Mauro Cid [no caso do cartão de vacina] não teriam sido confirmadas por outros meios de prova. No caso da ação penal em trâmite [da tentativa de golpe de Estado], a alegação do PGR é em sentido contrário: de que a delação de Mauro Cid foi confirmada por outros meios de prova”, reiterou para a reportagem.
Todavia, o criminalista avalia a delação premiada de Mauro Cid como falha. “A delação premiada feita por Mauro Cid é falha, colhida fora dos ditames legais, e deveria ser anulada. O próprio STF, inclusive, já decidiu em processos anteriores, como alguns da Operação Lava Jato, que delações de indivíduos presos não representam a necessária voluntariedade para dar validade às falas do delator. Uma suposta anulação da delação de Mauro Cid é, nesse cenário atual, pouco provável. O relator do processo, o Ministro Alexandre de Moraes, participou da coleta de provas. Está contaminado por isso, e dificilmente anularia uma delação da qual ele mesmo participou como protagonista”, completou.