Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Onde está 'Lula', o filme?

Oliver Stone e Lula durante a fase de pesquisas para a produção do documentário | Foto: Ricardo Stuckert/PR

De acordo com notícias veiculadas no Natal passado, Oliver Stone está remexendo no corte final de "Lula", documentário que rodou em dupla com Rob Wilson e teve sua estreia há cerca de um ano no Festival de Cannes. Fala-se em questões de direito de imagem e em ajustes finos de edição, envolvendo sequências que necessitam de autorização vinda do próprio Palácio do Planalto. O fato é: desde sua exibição no Festival de Busan, na Coreia do Sul, em outubro, o longa-metragem sobre o presidente do Brasil sumiu do radar.

Aos 78 anos, dono de três Oscars, Stone hoje trabalha numa nova ficção, o thriller "White Lies", regressando a um formato do qual está afastado desde 2012, quando lançou "Selvagens", um fracasso de bilheteria com John Travolta. Desde então, só fez .docs, sendo o retrato audiovisual sobre Luiz Inácio Lula da Silva o mais badalado de todos. Sua dramaturgia cartografa todo o histórico democrático do político pernambucano desde seu primeiro mandato como líder sindical, nos anos 1960.

Apoiado numa série de imagens de arquivo dos noticiários da TV Globo e da Globo News, "Lula" recebeu uma ovação em Cannes, com quatro minutos de aplausos calorosos, enquanto disputava o troféu L'Oeil d'Or. Ao fim da projeção, gritos de "Olê! Olê! Olê! Olá! Lula, Lula!" varreram o Palais des Festivals, na Croisette.

Diretor de sucessos de público e crítica como "Platoon" (1986) e "Nascido em 4 de Julho" (1989), Stone é um estudioso da política latino-americana. Embrenhou-se por esse universo desde que filmou "Salvador: O Martírio de um Povo" (1986), com James Woods, no México.

Logo após o sucesso de bilheteria "Um Domingo Qualquer" (1999), com Al Pacino, ele liberou sua verve documentarista e passou a realizar uma série de longas sobre os líderes deste continente, a começar por "Comandante", sobre Fidel Castro (1926-2016) e a Cuba revolucionária. Passou a se especializar, a partir dali, em filmes sobre grandes líderes do continente que teve colonização ibérica. São longas-metragens calcados em grandes conversações, num dispositivo de parlatório, e ilustrados por imagens de arquivo, numa estética conservadora, mas funcional. O que faz são perfis, quase sempre moderados por um olhar retórico no qual defende a grandeza épica das suas personagens.

"Este filme é sobre uma pessoa muito especial. Um dos poucos líderes políticos que vieram da classe operária. Alguém que lutou muito para estar onde está", disse Stone ao apresentar "Lula", em Cannes.

No filme, Stone e Wilson resgatam detalhes da Operação Lava-Jato e das articulações do juiz Sérgio Moro e do ex-presidente Jair Bolsonaro. A fotografia de João Atala e Lucas Fuica refina plasticamente este ensaio sobre a perseverança de um estadista que vem da classe operária. Para olhares brasileiros, a produção promove um inventário de cicatrizes recentes, esmiuçando com minúcia as situações envolvendo a carreira de Lula como presidente de 2003 a 2010 e a sua eleição mais recente, em 2022.

Para olhares estrangeiros, trata-se de uma aula de História delicada e paciente, que vai e volta em questões que envolvem o jogo de corrupções na chamada Operação Lava-Jato. Stone destina 75% da narrativa a tramitações dessa investigação que mobilizou a Polícia Federal. A montagem a seis mãos de Alexis Chavez, Mark Franks e Kurt Mattila assegura um tônus eletrizante a esse recorte, digno de um suspense.

Antes de se debruçar sobre a Lava-Jato, Stone faz uma radiografia da trajetória de Lula a partir da infância pobre em Pernambuco até chegar ao seu histórico de militância sindical no ABC Paulista. "Para um pobre, um dólar tem muito valor. Com 1 dólar ele não vai comprar ações, vai comprar comida", diz Lula no filme, ao avaliar a relação do Brasil com os Estados Unidos que, segundo ele, foi mais dura nos tempos de Obama do que na gestão George W. Bush - tema do filme "W." (2008), de Stone, cm Josh Brolin.

O encontro do cineasta com Lula aconteceu pouco antes de ele ser eleito, em 2022, quando Bolsonaro ainda estava no país. Um dos entrevistados que desarticulam o ethos bolsonarista do Brasil é o jornalista americano Glenn Greenwald, num debate sobre a cobertura nem sempre isenta da imprensa. Nesse aspecto, "Lula" abre um rico debate sobre dialética nos discursos sobre o Poder. Era de se esperar de um (bom) filme de Stone.